A minha biografia na biblioteca
por Jorge Morgado, Diretor do AE de de Airães, Felgueiras
Neste momento, estarão a interrogar-se que livro de biografia terá o diretor Jorge Morgado na biblioteca? Ou questionarão se a biblioteca tem a biografia do diretor, este dito ilustre deve ser importante, por que motivo o será? Uma biografia do diretor na biblioteca, qual a razão? Discussões à parte, ficaremos com o título até ao fim do artigo e o(a) caro(a) leitor(a) irá compreender a sublimidade de tal presunção.
Nos dias de invernos a tilintar e nos sóis tórridos de verão, lembro com nostalgia, nas faldas da serrania, a aldeia da minha infância, onde, quinzenalmente, vinha uma carrinha com tons de cinza, num metal ondulado, design desconchavado, com uma porta lateral que deslizava mostrando-me, pela primeira vez, uma biblioteca. Com um nome pomposo escrito na lateral, somente anos mais tarde consegui soletrar e compreender a magnitude da denominação e ação da Fundação Calouste Gulbenkian. A biblioteca itinerante deslocava-se ao lugar do cruzeiro (centro) da aldeia e eu podia consultar e levar para casa, durante um período estipulado, o livro escolhido. Os bibliotecários, por sua vez, duas figuras masculinas com um ar de poucos amigos e sempre sisudos, não fossem os catraios levar algum livro sem autorização, registavam os procedimentos do empréstimo e devolução.
Por sua vez, a Escola Primária conseguiu, a muito custo, evidenciar um pequeno armário, carcomido pelas traças ou bichos da madeira, patenteando nos pés as lavagens sem fim ao soalho carcomido, mas a que, ingenuamente, chamávamos “biblioteca escolar”. Se, na desengonçada biblioteca itinerante, podia escolher os livros com figuras atraentes, assuntos diversificados, com capas duras e coloridas, por sua vez, na modesta e pequeno protótipo de biblioteca da escola, os minúsculos e poucos livros equilibravam-se heroicamente em duas prateleiras, com assuntos vincados ao teor escolar, amarelados pelos anos de vida e esbatidos pelo uso e fumo das casas de acolhimento.
No meu percurso escolar seguinte, já no 2.º e 3.º ciclos, guardo a recordação da biblioteca como o espaço de excelência da escola, com um ambiente tranquilo, aconchegante e disponível. Sentia-me bem naquele espaço de mobiliário cuidado, mas confesso que a descoberta dos livros de banda desenhada, de aventuras do Lucky Luke e do Astérix e Obélix, consumia-me as horas vagas, os ditos “furos”. Não sei precisar a ordem de adesão e de qual das obras gostei mais: tenho simplesmente a certeza e convicção que aprimorei competências na leitura e no conhecimento das realidades esbatidas nos livros.
Por sua vez, no ensino secundário, retenho da biblioteca a imagem de resposta à necessidade da procura seletiva de livros de leitura obrigatória e do folhear de compêndios, os vastos e fartos volumes da Enciclopédia Luso Brasileira - os meus motores de pesquisa google - para serem a referência e citação das pesquisas para os ditos “trabalhos”. O espaço tornou-se mais frio e distante, devido às exigências académicas, e o processo deixou de ser inato - para colmatar os tempos livres na adolescência, convertendo-se numa necessidade - para preenchimento e resposta ao processo de aprendizagem. A mais simples pesquisa web aparece, de modo muito incipiente, apenas no fim do meu crescimento universitário.
Compreendo agora a minha biografia na biblioteca: ajudou-me a crescer e a ser quem sou hoje. Virtualmente, não podemos “bibliotecar”, nem aprimorar os cinco sentidos e as vivências. “Bibliotecar” é sentir a vida a transformar-se com a(s) biblioteca(s) da nossa vida, que são referências sensoriais e de aprendizagens tão diversas e não podem impregnar-se em nós apenas pelo digital.
Hodiernamente, a minha biografia na biblioteca cultiva em mim a referência ao passado, é certo, mas impulsiona-me, no presente, a abrir as portas das bibliotecas nas escolas, a criar tendas de saber, a cultivar sensações e a identificar talento nas crianças e alunos que soletram silabas para formar palavras, sempre aLer mais e melhor, ainda que com o estímulo das imagens e dos chips.
Como diretor de um agrupamento, priorizo e estimo o espaço da biblioteca como lugar acolhedor e aprazível, sala de estar para as aprendizagens e sala de ser para os valores democráticos. Certamente que as consultas e pesquisas não são efetuadas no folhear da Enciclopédia Luso Brasileira, antes num motor de busca, mas nas bibliotecas do agrupamento, pela mão e sentido de rigor da professora bibliotecária, com ar muito mais caloroso e empático, deixo a responsabilidade de impregnar os cinco sentidos de crianças, jovens e agentes parceiros de aventuras de ensino e aprendizagens para a vida. Que se transformem em vivências significativas para todos!
Compreende agora o/a leitor(a) a importância de todos termos uma biografia na biblioteca, porque se em cada fase da vida crescemos com uma, mesmo sem sabermos que faz parte da nossa vida, admiravelmente a vida se encarrega de escrever, com muitas mais palavras, a nossa história. Termino de forma simples e cordial, face ao perplexo título e introdução atribulada, jurando que está mais completa a minha biografia na biblioteca.
E a do(a) leitor(a) como vai?
Agrupamento de Escolas de Airães, 10 de dezembro de 2024
O Diretor
Jorge Morgado