A matemática tem grandes conversas com a literatura
por Cristina Lima, Professora bibliotecária, AE D. Afonso Sanches, Vila do Conde
Sempre gostei de ler. E cada nova leitura, cada nova personagem, cada narrativa de sonhos, fantasias, realidades, viagens interiores e outras, por velhos e novos mundos, abriu-me as portas a uma disciplina que muitos pensam ser inimiga das Humanidades, a Matemática.
Sim, a matemática tem sempre grandes conversas com a literatura, pois ambas circulam pelos mesmos corredores cerebrais. A matemática anda sempre ocupada com o “porquê e o como”, sendo uma ciência que relaciona o abstrato e o concreto. A literatura adora pensar sobre sonhos e factos, vidas imaginadas ou reais, seres irreais ou verdadeiros, e usa a linguagem escrita como meio de expressão.
As duas descobrem, nas suas conversas, que o pensamento, a imaginação e a escrita são o seu modo de vida predileto, o que permite - se nos permitirmos a tal - conversas fantásticas, que podem transformar o mundo.
Surgiu-me a oportunidade de transformar o meu mundo, e a esperança de transformar o mundo de outros, entrando eu pelas portas da biblioteca da minha escola como professora bibliotecária. Tinha alguns conhecimentos, resultado de formações e experiências em bibliotecas escolares e municipais. E fui, nesse mesmo ano, fazer a formação em Gestão de Bibliotecas Escolares, pois queria aprimorar os conhecimentos e sentia que teria muito caminho pela frente. E queria que a Matemática se juntasse à Literatura, aos olhos dos alunos. O que demoraria algum tempo a ser aceite como verdadeiro. Mas, numa biblioteca, existe um tempo diferente.
O que vivi no ano letivo passado, o ano dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, poderei relembrar assim:
“Nessa tarde, a biblioteca estava silenciosa e queria estar comigo. O silêncio permitiu-me ouvir que eu estaria a fazer um trabalho bonito e que ela estava feliz. Já muito se tinha passado ali. Leituras, em voz baixa e em voz alta, poesia, música, dança, conversas, partilhas, aplausos, sorrisos, alegrias e, também, algumas tristezas. Mas, mesmo as tristezas tinham acabado por sorrir e avançar na vida com outra força.”
De facto, pensei que cada livro que ali existe, mesmo quando não é aberto e lido, tem em si a força da Humanidade. E essa força sente-se de um modo especial numa biblioteca. Aí, cada ser humano é único e é aceite como é. E eu acredito que foi isso que senti nesse dia. Que esse espaço tinha poesia. E que quantos aí entravam sentiriam o mesmo que eu, em algum momento.
O resultado desse ano está documentado aqui: https://linktr.ee/inspireyou.aedas
E será sempre lembrado nas minhas conversas interiores entre matemática e literatura.
Cristina Lima, Professora bibliotecária
Agrupamento de Escolas D. Afonso Sanches, Vila do Conde
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- Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
- Esta rubrica visa apresentar apontamentos breves do quotidiano dos professores bibliotecários, sem qualquer preocupação cronológica, científica ou outra. Trata-se simplesmente da partilha informal de vivências.
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