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Blogue RBE

Qui | 26.06.25

"A Floresta" e a espera

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Demoraram décadas a reencontrar o livro que lhes ficou na memória pela capa e no coração pelas emoções que despertou. Ambas recordam com nitidez o momento em que “A Floresta”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, lhes foi apresentado por uma professora.

Uma, num tempo de instabilidade escolar e ausência de bibliotecas; outra, numa aldeia onde não havia livros nem bibliotecas, mas havia uma professora que emprestava livros com cuidado e intuição.

São histórias de leitura adiada, mas também de encontros marcantes, da força que tem uma história bem contada e da ausência de estruturas que, durante muito tempo, impediram que as crianças encontrassem o seu livro, o seu autor, a sua floresta.

Hoje, com bibliotecas escolares em funcionamento em todo o país e com professores bibliotecários atentos aos interesses e necessidades dos alunos, é possível garantir que ninguém precise de esperar vinte anos para encontrar um livro que o emocione, o toque, o transforme.

Demorei 20 anos a ler “A Floresta”, de Sofia de Melo Breyner. Conseguem imaginar porquê?

Testemunho de uma leitora que se transformou em professora bibliotecária

Eu frequentava o que hoje é o quinto ano, em 1975, no ano pós 25 de abril. Havia muita instabilidade nas escolas. Os professores ficavam pouco tempo na escola onde eu andava que era muito longe dos centros importantes e estavam sempre a mudar.

Um dia, chegou à escola uma professora de português que era muito jovem, muito simpática, alegre e muito inovadora, com roupas muito, muito modernas. Cativou-nos imediatamente!

Nas aulas de português ela pegou num livro e leu-o em voz alta para nós. Quando a história estava no melhor, foi-se embora. Eu estava lá no meio da sala e não conseguia ler o nome do livro, nem da autora, só sabia como era a capa: verde, com árvores. A professora foi embora na parte em que a história estava melhor e eu queria saber o resto. Não havia professor bibliotecário e eu era muito tímida, os alunos não tinham à vontade para falar com os professores e eu fiquei assim inquieta, curiosa, sem tapete.

Na minha casa só havia livros de adultos que a minha mãe lia, eram os romances de Eça de Queiroz, de Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis e essas coisas.   Eu não sabia como conseguir encontrar aquele livro.

Em 1995, estava numa livraria que me deixou entrar para a parte das estantes, comecei a ver os livros e de repente deparei-me com aquela capa. Era o livro que eu procurava há 20 anos. Sentei-me nas escadas e comecei a ler, entretanto vieram chamar-me e eu tive que interromper a leitura.

Fui ao balcão, paguei e levei o livro comigo. Nessa mesma noite não fui dormir sem ler aquela história que ainda hoje é uma das minhas preferidas.

E as bibliotecas escolares? Pois é, só começaram a surgir em 1998.  E na cidade onde vivo a única biblioteca pública que havia não era em livre acesso! Só inaugurou em 2009 e claro fiz logo o meu cartão de leitora.

Entretanto hoje, nas bibliotecas escolares, temos professores bibliotecários que, neste ambiente de liberdade, nos ajudam a encontrar os livros que melhor nos ‘assentam’.

 

Pois eu, demorei um dia a ler "A Floresta"... mas só descobri 20 ou 30 anos depois!

Outro testemunho. Outra leitora. Outra professora bibliotecária.

Foi assim:

Durante a minha, então, instrução primária não havia biblioteca de qualquer tipo, nem escolar, nem pública e, na minha aldeia, não passava sequer a biblioteca itinerante da Gulbenkian. Na minha casa, havia apenas os poucos livros infantis que a minha mãe comprava e os muitos que a minha amiga rica lá da aldeia me emprestava.

Um dia, andaria eu pela segunda ou terceira classe, a minha professora chamou-me e disse: "Tenho aqui um livro de que acho que vais gostar e vou emprestar-to..."

Peguei-lhe com reverência e levei-o com muito cuidado. Mal cheguei a casa, li-o, sem parar até chegar ao fim.

No dia seguinte, com a mesma reverência da véspera, fui até à secretária da professora e devolvi o livro.

Percebi, muitos anos mais tarde, a desilusão na cara da minha professora quando me perguntou: "Não gostaste?"

"Gostei sim, mas já li!"

"Todo?"

"Sim"

Não sei o que se passou depois, nem antes, só recordo esta cena que me ficou gravada para sempre.

Não fixei o título. Apenas as árvores da capa e algum conteúdo.

Só depois de me tornar professora bibliotecária, voltei a abrir A Floresta e percebi que a minha querida professora Adelaide, de forma muito simples, me tinha apresentado Sophia, naquele retalho que ficou registado na minha memória.

 

Estas memórias são relatos pessoais, mas também lembretes do que esteve ausente e do que agora se tornou essencial: o direito ao livro certo, no momento certo, com mediação qualificada e afetiva.

Porque uma biblioteca escolar é sempre um lugar de encontros!

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0