A escola no pós-pandemia
No sentido de ajudar a desenhar “estratégias e medidas para reduzir, nas escolas, os impactos socioeducativos da pandemia e potenciar o desenvolvimento e o progresso na aprendizagem de crianças e jovens” o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou a Recomendação A Escola no pós-pandemia: desafios e estratégias 1.
Tem como complemento o Estudo sobre a primeira vaga da Covid 19 (março a julho 2020), Educação em Tempo de Pandemia: Problemas, respostas e desafios das escolas 2, reflexão alargada com vários contributos, incluindo audições de pessoas e entidades, que reúne cronologia e indicadores.
O contexto d’ A Escola no pós-pandemia é o de uma realidade mutável e inesperada, proporcionada pela situação de emergência da pandemia, que exige o envolvimento e empenho de docentes, não docentes, famílias e comunidades que, no início da pandemia, souberam responder “com enorme dedicação e eficácia”. Por conseguinte, a reflexão do CNE segue “uma visão da escola e da comunidade escolar como um todo (whole school approach)”, dotado de autonomia e que trabalha em conjunto na procura de soluções.
O documento organiza-se em 8 pontos que incidem sobre os vários atores e desafios:
- Bem-estar e progressão nas aprendizagens;
- Currículo e gestão do currículo;
- Práticas pedagógico-didáticas e de avaliação;
- Formação de pessoal docente e reforço de condições e recursos;
- Lideranças, trabalho colaborativo e equipas multidisciplinares;
- Escola e famílias;
- Escola e comunidade;
- Formação inicial de professores e de outros profissionais.
Não obstante o seu caráter indissociável, na abertura do ano letivo 2021/ 2022 destacam-se ideias provenientes sobretudo dos três primeiros pontos, que podem inspirar e orientar a convivialidade e o planeamento e ação estratégica das bibliotecas escolares.
- Bem-estar e progressão nas aprendizagens
- A principal preocupação por parte das escolas deve ser “ouvir as crianças e jovens e identificar as condições psicoafectivas e de aprendizagem de cada um deles para que se possa atuar nestas duas frentes — aprendizagens essenciais e estruturantes e bem-estar emocional”.
A Recomendação A voz das crianças e dos jovens na educação escolar 3, generalizada à Educação Pré -Escolar, Ensino Básico e Secundário e Ensino Profissional, entende “por ‘voz das crianças e dos jovens na Educação Escolar’ a possibilidade e o direito das crianças e dos jovens terem oportunidade para exprimir as suas ideias e opiniões ao longo de todo o processo educativo”. Este é um documento importante porque:
- Reconhece as “várias dimensões transversais da voz: como instrumento de interação, de participação, de apropriação do conhecimento e de empoderamento social, promotores de desenvolvimento humano e de afirmação de cidadania”;
- Afirma que é “indispensável ao processo de aprendizagem” – “se nós não falarmos a professora nunca vai saber se aprendemos ou não aprendemos”, diz um aluno do primeiro ciclo, referido no documento - e de socialização democrática das crianças e jovens;
- Do reconhecimento do valor da sua voz em contexto escolar geram-se, segundo diversa literatura científica, benefícios: “empoderamento, motivação, envolvimento e sucesso nas aprendizagens” e “transformação do papel do professor”.
Segundo A escola no pós-pandemia, crianças e jovens devem ser ouvidos e ver “a sua participação ser respeitada e considerada” em todas as decisões que os envolvem, inclusive a respeito da escola (e da biblioteca): sua organização e funcionamento, gestão e desenvolvimento do currículo, processo de aprendizagem (objetivos, percursos e ritmos, recursos, avaliação pedagógica…) e formação de professores são áreas cujas decisões deveriam integrar contributos das crianças e jovens. Lembrando Paulo Freire, cujo centenário se celebra a 19 de setembro 4, “A educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B”.
- As estratégias pedagógicas para consolidar e adquirir aprendizagens essenciais devem ser desenhadas, implementadas e avaliadas com as crianças e jovens, “sem recorrer a ‘mais do mesmo’": aumento da carga letiva e manutenção de estratégias pedagógicas que induzem à passividade dos alunos. Privilegiam-se “atividades e espaços não escolarizados de socialização e integração” informal, como “visitas culturais ou de contacto com a natureza, jogos colaborativos, dinâmicas de conhecimento e acolhimento mútuo” que incluem educação artística e desportiva e integram-se estas experiências e conhecimentos na aprendizagem do currículo. Incrementam-se “entre as bibliotecas escolares e as entidades locais, atividades de animação à leitura com grupos heterogéneos que evidenciem, tanto quanto possível, a diversidade cultural e étnica dos territórios, de forma a reforçar aprendizagens diversas e uma maior socialização e conhecimento mútuo”.
- Currículo e gestão do currículo
- A gestão e planeamento do currículo deve ser revista para reforçar competências essenciais, numa perspetiva de ciclo e não de ano letivo e usando a flexibilidade curricular para colmatar falhas de aprendizagem e para dar “cada vez mais, voz aos alunos”, procurando envolvê-los, desde o primeiro ciclo, no planeamento do ano letivo, “numa lógica de gestão participada e de fomento da cidadania”.
- Na aprendizagem de conteúdos menos consolidados ou matérias novas, valorizar a sua ligação às diferentes disciplinas, de modo a construir uma visão holística e integrada do currículo, que promova o trabalho colaborativo de professores da mesma turma/ departamento/ ano de escolaridade, em áreas como planificação de conteúdos, elaboração de tarefas e formas e instrumentos de avaliação.
- Práticas pedagógico-didáticas e de avaliação
- Nas aprendizagens em falta, envolver e integrar as crianças e jovens através de “práticas de aprendizagem ativa e colaborativa” - metodologias de projeto, investigação e resolução de problemas e de trabalho cooperativo - e promover o acompanhamento mútuo de parcerias entre alunos, em regime de voluntariado, para apoio ao estudo ou a outras necessidades – a Recomendação reconhece o voluntariado juvenil uma “forma de enriquecimento pessoal e curricular”.
- As literacias da leitura, da escrita e da oralidade devem ser trabalhadas por todos os professores transversalmente, ao longo de todo o percurso educativo do aluno. A escola também deve investir na literacia científica e matemática, através da criação de planos específicos. Literacia mediática e digital, gestão e autorregulação das emoções e métodos de estudo são componentes de trabalho regular da biblioteca escolar, que devem integrar as propostas de recuperação das escolas.
- No regresso ao presencial, é importante preservar e incrementar competências digitais, incentivando, durante o horário escolar, práticas de aprendizagem mistas, com componente presencial e à distância (blended learning) e uso de ferramentas digitais que promovam diversificação de estratégias, trabalho autónomo e avaliação formativa. As oportunidades de promoção de literacia digital devem abranger alunos, docentes e não docentes e famílias. A Recomendação considera ainda que, para os alunos que vivem em regiões ou frequentam escolas com menos ofertas educativas no secundário, se equacione “a possibilidade de, aproveitando as funcionalidades do ensino remoto conjugadas com momentos presenciais, oferecer, com caráter de excecionalidade, algumas disciplinas [à distância] que vão ao encontro das opções dos alunos, em termos de áreas de conclusão do ensino obrigatório e de acesso ao ensino superior".
- Na avaliação abandonar a “ênfase excessiva na orientação para os resultados” e privilegiar a finalidade formativa que fomenta a aprendizagem e melhoria contínua.
O importante não é recuperar os “dias perdidos”, mas aprofundar uma visão de escola integradora e humanista que partilhe com as crianças e jovens e a comunidade a responsabilidade de co-criação de condições para fazer da escola “um espaço aprazível” que reúna as melhores condições para as crianças e jovens progredirem nas respetivas aprendizagens, tendo em vista sucesso, inclusão e cidadania, os três pilares do Plano 21|23 Escola+ 6.
Porque “situações excecionais podem ser a alavanca” para mudanças conducentes à “Escola que desejamos” a Recomendação abrange outras medidas de maior alcance: reformulação dos currículos “por forma a disponibilizar um referente curricular coerente, focado e flexível”; reorganização do secundário - o 10.º ano deve ser “mais livre e transversal (…) relegando para os 11.º e 12.º anos a escolha das vias de conclusão e acesso ao ensino superior”; “mais condições às escolas para desenvolver” artes e desporto, “permitindo a gestão mais autónoma dos recursos e a contratação de professores especialistas” e acesso ao ensino superior em outros moldes para que o percurso escolar “não esteja condicionada por este acesso, nem as provas que para ele se realizem induzam práticas letivas e de aprendizagem baseadas, quase exclusivamente, no treino e na memorização”.
Referências
1. Conselho Nacional de Educação. (junho de 2021). Recomendação A Escola no pós-pandemia: desafios e estratégias. https://www.cnedu.pt/content/deliberacoes/recomendacoes/REC_A_Escola_no_pos-pandemia.pdf
2. Conselho Nacional de Educação. (junho de 2021). Educação em Tempo de Pandemia: Problemas, respostas e desafios das escolas. https://www.cnedu.pt/content/iniciativas/estudos/Educacao_em_tempo_de_Pandemia.pdf
3. Conselho Nacional de Educação. (14 de julho de 2021). A voz das crianças e dos jovens na educação escolar. https://www.cnedu.pt/content/deliberacoes/recomendacoes/Recomendacao_n._2_2021_Voz.pdf
4. Instituto Paulo Freire. (19 de fevereiro de 2021).Convite para celebrar o Centenário de Paulo Freire. https://www.paulofreire.org/noticias/813-convite-para-celebrar-o-centen%C3%A1rio-de-paulo-freire
5. Rede de Bibliotecas Escolares. (2020) Biblioteca Escolar Digital: Instrumentos. https://digital-rbe-d01.blogspot.com/
6. Ministério da Educação. (julho de 2021). Plano 21|23 Escola+. https://escolamais.dge.mec.pt/
Fonte da Imagem: Conselho Nacional de Educação. (junho de 2021). Recomendação A Escola no pós-pandemia: desafios e estratégias. https://www.cnedu.pt/content/deliberacoes/recomendacoes/REC_A_Escola_no_pos-pandemia.pdf