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Blogue RBE

Ter | 02.05.23

A Educação e a Década: Contributos da Biblioteca Escolar

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1. A Década e o papel da educação

Portugal - através do Ministério dos Negócios Estrangeiros - integra a Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024 [2], instituída pela Assembleia Geral da ONU, a 23 de dezembro de 2013 e cujo tema é “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.

No âmbito do Programa de Atividades da Década (2014) [3], da Assembleia Geral da ONU, a educação pública é área transversal de promoção de:

- Reconhecimento das importantes contribuições dos afrodescendentes em todo o mundo;

- Políticas/ medidas de acesso à Justiça, de equidade e inclusão social;

- Direito ao Desenvolvimento e adoção de medidas contra a pobreza e que incentivem a criação de comunidades melhores e mais prósperas nas áreas da educação, emprego, saúde e habitação de qualidade, em linha com a Agenda 2030 das Nações Unidas.

E de luta para erradicação/ prevenção da discriminação múltipla e do racismo, de que as pessoas afrodescendentes são frequentemente alvo e de promoção dos direitos humanos.

2. Porque é que é importante comemorar a Década?

- Jovens negros são especialmente vulneráveis - em alguns países, até 76% NÃO trabalham/ estudam/ fazem formação, em comparação com 8% da população em geral;

- 30% dizem ter sofrido assédio racial nos últimos cinco anos e 5% foram atacados fisicamente – e.g. Bruno Candé (Portugal), Marielle Franco (Brasil);

- 45% vive em habitações superlotadas, em comparação com 17% da população em geral. 14% dizem que os senhorios privados não lhes alugam alojamento - isto é especialmente problemático, pois apenas 15% têm propriedade, em comparação com 70% da população em geral;

- 24% foram mandados parar pela polícia nos últimos cinco anos e entre estes 41% sentiram que foi por motivos de discriminação racial;

Estes são dados do relatório da Agência para os Direitos Fundamentais da UE que reúne as perceções/ experiências de quase 6.000 pessoas negras em 12 Estados-Membros [4].

3. Contributos da RBE 

No Sumário Executivo do seu Quadro Estratégico 2021 - 2027, a RBE afirma centrar a sua ação nas Pessoas e compromete-se a “garantir que as bibliotecas são organizações que promovem a defesa da dignidade humana e da justiça” [5].

A Rede de Bibliotecas Escolares condena ativamente todas as formas de racismo e discriminação, as quais são contrárias aos direitos humanos e valores das bibliotecas escolares, que passam por um efetivo respeito pela diferença e eliminação de políticas e práticas assimilacionistas, opressoras ou promotoras de exclusão.

A RBE é parceira do Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação – Portugal contra o racismo 2021-2025 e, no passado 31 de março, assinou um Protocolo de Cooperação com o Alto Comissariado para as Migrações, oficializado pela Coordenadora Nacional da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), Manuela Pargana Silva e a Alta-Comissária para as Migrações, Sónia Pereira.

4. Documentos de referência da IFLA/ RBE

O Quadro Estratégico 2021-2027 da RBE segue/ participa nas orientações da International Federation of Library Associations and Institutions que formalizam esta visão - e responsabilidade na sociedade - das bibliotecas, a partir de diversos documentos de referência:

A fim de promover a inclusão e erradicar a discriminação, os bibliotecários e outros profissionais da informação garantem que o direito de acesso à informação não seja negado e que serviços equitativos sejam prestados a todos, independentemente de sua idade, cidadania, crença política, capacidade física ou mental, identidade de gênero, herança, educação, renda, status de imigração e requerente de asilo, estado civil, origem, raça, religião ou orientação sexual” [6].

“bibliotecas de todos os tipos devem refletir, apoiar e promover a diversidade cultural e linguística nos níveis internacional, nacional e local e, assim, trabalhar para o diálogo intercultural e a cidadania ativa. […]

Atenção especial deve ser dada a grupos frequentemente marginalizados em sociedades culturalmente diversas” [7].

5. Abordagem da biblioteca escolar

A biblioteca escolar trabalha as questões da cultura africana e afrodescendente e do racismo e da discriminação de forma integrada/ contextualizada:

- No currículo (aprendizagens essenciais), 

- Nas artes e cultura (aprendizagem não formal);

- Na experiência/ vivência subjetiva/ local – para que as crianças e jovens possam construir uma aprendizagem/ conhecimento significativo e útil a cada um e à sociedade. É importante que as aprendizagens tenham efeitos/ transformem a família, a escola/ local de trabalho, a comunidade.

6. Evidências

De que forma é que a biblioteca escolar contribui para os Objetivos da Década?

No âmbito do Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, a RBE comprometeu-se a:

- Medida 2.2. Disponibilizar recursos pedagógicos; 

- Medida 2.7. Promover o conhecimento de livros e reforçar propostas pedagógicas de abordagem à leitura, às artes e à cultura.

Nos dois primeiros anos de implementação do Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, a RBE lançou às bibliotecas escolares um questionário voluntário para saber quais as ações desenvolvidas. Os resultados foram os seguintes: 

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Temas por ordem decrescente: Direitos Humanos, Racismo, Crise dos refugiados, Segurança, Defesa e Paz, Holocausto, Pessoas com deficiência, Igualdade de género, violência doméstica e no namoro, Pessoas ciganas, o menos trabalhado.

7. Abordagens educativas

Neste âmbito, as bibliotecas escolares realizam atividades criativas, baseadas na leitura, escrita, diálogo e participação a partir de livros, filmes/ vídeos e outros documentos com exploração de media e ferramentas digitais e envolvimento da comunidade. Exemplos:

- Encontros e debates com escritores, especialistas e pessoas da comunidade – e.g. Cristina Roldão e Beatriz Gomes Dias (AE Leal da Câmara, Sintra)

- Círculos de reflexão em assembleia de turma e com outras escolas, sobre estereótipos negativos - e.g.: “Racismo no séc.XXI?! Naa...deve ser Engano!”

- Sondagem sobre a questão do pedido ou não de desculpas sobre os séculos de escravatura – e.g. Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Vagos 

- Reescrita de provérbios com mensagens discriminatórias - e.g. AE João da Silva Correia, S. João da Madeira, “Provérbios - vamos dar a volta ao texto”

- Biblioteca Humana que cria um ambiente seguro para perguntas difíceis e diálogo sobre preconceitos e estereótipos – e.g. AE Alberto Sampaio, Braga 

- Cartazes a partir de pesquisa e verificação de notícias e com criação de códigos QR – e.g. Projeto Toc'a Ser do AE de Mortágua

- Exposição de poemas ilustrados sobre “Diz não ao Racismo” – AE Mortágua

- Clube da Amizade a partir do livro Posso juntar-me ao clube? - AE Manteigas

- Vídeo-instalação sobre Direitos Humanos - AE João de Araújo Correia

- Comemoração de efemérides - A biblioteca escolar incentiva o reconhecimento da memória das vítimas, evocando datas que são uma oportunidade para sensibilizar/ consciencializar e mobilizar para problemas globais. A maioria das escolas opta por destacar datas abrangentes, como o Dia Internacional dos Direitos Humanos ou o Dia Internacional da Paz. 

e.g. 21 de março: Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial – AE do Fundão; AE Leal da Câmara, Sintra; AE Dr. Ferreira da Silva, Oliveira de Azeméis.

 

8. Bibliodiversidade

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Propostas de títulos das bibliotecas – exemplos

 

A RBE apoia uma sociedade plural e culturalmente diversa. Incentiva 

- Coleções que apresentem diversos autores/criadores e perspetivas e experiências representativas das diferentes comunidades, para que todos os leitores se sintam representados e compreendidos;

- Em diferentes línguas – multilinguismo e interculturalidade – e dando particular enfoque à língua materna dos seus utilizadores, ligando-os à sua herança histórica e incentivando-os a participarem da recriação da própria cultura. 

A biblioteca escolar deve alargar as suas coleções a autores lusófonos e de outros países não europeus e não americanos, incluindo autores portugueses afrodescendentes e com ligação ao Brasil, a Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Contribuirá, desta forma, para celebrar a diversidade e a criatividade da língua portuguesa

 

9. Criadores lusófonos contra o racismo

A Rede de bibliotecas Escolares tornou público o sítio recém-criado Criadores lusófonos contra o racismo que dá visibilidade à literatura afrodescendente e inclui propostas em crioulo (kriolu) ou língua cabo-verdiana, que não sendo a língua oficial de Cabo-Verde, é usada por muitos falantes deste país que vivem em Portugal – e.g. Dino de Santiago e Chullage.

Inclui propostas de leitura nas suas múltiplas expressões: literatura (romance, contos, poesia…), narrativas memorialísticas/ documentais (diários, biografias, cartas…), imprensa (reportagem, crónica, entrevista…); audiovisual (fotografias/ exposições, vídeos, filmes, podcast…) e artes do espetáculo (letristas/ músicos, performances, festivais…). 

O sítio ultrapassa as 60 entradas – é pouco – mas algumas são antologias ou plataformas digitais, que remetem para diversos autores/ criadores e dá visibilidade a criadores que assumem um compromisso humanista e antirracista.

 

10. O caminho para a educação 

Segundo o relatório da Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação (UNESCO), Reimaginar os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação (2021, 10 nov.), historicamente a formação tradicional do conhecimento tem contribuído para “a construção de barreiras/ divisões e reprodução de desigualdades”, geradoras de discriminação, ódio e conflitos. Propriedade de uma elite que, através dele, mantém a sua hegemonia nos diversos setores da sociedade, o conhecimento tradicional é intencionalmente incompleto (apresenta “exclusões”) e “requer correções”. 

O caminho para uma educação de qualidade, com a biblioteca escolar, passa por incentivar uma compreensão crítica da História e da imprensa e media, mostrando que há estereótipos negativos da comunidade africana e afrodescendente que continuam a ser transmitidos e que têm raízes no período da escravatura e do colonialismo.

A biblioteca escolar incentiva ainda uma reflexão crítica da comunicação digital, pois a internet personalizada gera fenómenos de tribalização e de “comunicação sem comunidade” (Byung-Chul Han, livro Infocracia). A utilização de inteligência artificial e de outros processos e ferramentas algorítmicas (e.g. ChatGPT) amplifica preconceitos observados em dados usados para treino.

A biblioteca escolar tem um importante papel neste caminho com a qual se vai desenhando um futuro – e um passado - mais inclusivo, democrático e coeso. 

 

Nota

Esta foi uma comunicação apresentada pela RBE no Seminário de 26 de abril de 2023, Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024: O caminho para a educação promovido pelo Alto Comissariado para as Migrações Painel II. A Educação e a Década: Explorar percursos e encontros: Contributos da biblioteca escolar [1].

 

Referências

📷 [1]

1. Alto Comissariado para as Migrações. (2023, 26 abr.). ACM promove Seminário "Década Internacional de Afrodescendentes: O Caminho para a Educação". Lisboa: ACM. https://www.acm.gov.pt/ru/-/acm-promove-seminario-decada-internacional-de-afrodescendentes-o-caminho-para-a-educacao-

2. Nações Unidas. (2023). Década Internacional de Afrodescendentes. EUA: ONU.  https://www.decada-afro-onu.org/

3. ONU. (1914). Programa de Atividades da Década. EUA: ONU. https://nacoesunidas486780792.wpcomstaging.com/wp-content/uploads/2016/05/WEB_BookletDecadaAfro_portugues.pdf

4. Agency for Fundamental Rights (FRA). (2018, 28 Nov.). Being Black in the EU - Second European Union Minorities and Discrimination Survey. Austria: European Union. https://fra.europa.eu/en/publication/2018/being-black-eu#publication-tab-2

5. Rede de Bibliotecas Escolares. (2021). Bibliotecas escolares presentes para o futuro (p.17). Quadro Estratégico 2027. Portugal: RBE. https://www.rbe.mec.pt/np4/qe.html

6. IFLA. (2012, Agu.). IFLA Code of Ethics for Librarians and other Information Workers. https://www.ifla.org/publications/ifla-code-of-ethics-for-librarians-and-other-information-workers-full-version/

7. IFLA/ UNESCO. (2006). IFLA/ UNESCO Multicultural Library Manifesto. https://www.ifla.org/ifla-unesco-multicultural-library-manifesto/

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