A Ciência de Educar
A ciência moderna nasceu no século XVI-XVII, com Galileu Galilei e fundamenta-se:
- Num método laboratorial, que valoriza a observação e a experimentação em ambiente controlado;
- Numa linguagem, a matemática, que extrai da realidade apenas aquilo que é mensurável (figura, tamanho, peso...) e se possa traduzir numa verdade objetiva e universal.
Diz o astrónomo e físico italiano numa carta a Fortunio Liceti de 1641, citada em Diálogo dos Grandes Sistemas. O universo compara-se a um livro que “não pode ser lido por toda a gente. Os caracteres desse livro não são outros que os triângulos, quadrados, círculos, esferas e outras figuras matemáticas” [1].
A educação, enquanto parte das ciências sociais e humanas, tem-se tentado aproximar deste modelo de ciência assente numa razão matemática, mais facilmente aplicável aos aspetos cognitivos e formais da aprendizagem, os tradicionalmente valorizados.
Neste contexto, estudos feitos em laboratório - e confirmados em contexto natural – mostram, por exemplo, que a Aprendizagem Espaçada é mais eficaz do que a Aprendizagem Massiva/ Concentrada e que a Aprendizagem Intercalada/ Alternada de diferentes conteúdos/ disciplinas é mais eficaz do que a aprendizagem intensiva de um único conteúdo/ disciplina [2].
Educar tem Ciência – Podcast [2]
É importante que educadores e alunos compreendam estes resultados da ciência porque esse conhecimento gera intencionalidade e transferência para novas situações e torna-se mais fácil e frequente saber tomar decisões que facilitem melhores aprendizagens.
O desenvolvimento das neurociências - e.g. António Damásio - alarga o âmbito das ciências e da educação, por exemplo aos sentimentos, que tendo uma base biológica, também podem ser ensinados e aprendidos. A educação permite compreender e melhorar a expressão dos sentimentos e orientá-los para princípios e valores universais humanistas, aceites pela sociedade e transpostos para a ordem jurídica e para o currículo (aprendizagens essenciais).
As neurociências também mostram que os sentimentos têm ligação à memória, raciocínio, curiosidade, atenção, imaginação e decisão e, por isso, aprendemos melhor e durante mais tempo quando estão envolvidos.
Estas conclusões incentivam a crescente ligação das aprendizagens formais do currículo às artes/ cultura ou às abordagens informais/ não formais, bem como ao brincar/ jogo (gamificação) social, em grupo.
Contar histórias, ver o excerto de um filme, utilizar uma app, visitar um museu, explorar a biodiversidade da praia/ campo, ir ao supermercado [educação para o consumo], fazer pão, cultivar a horta escolar/ comunitária, cuidar de animais… são formas de aprender não formais, dinâmicas, que incentivam a curiosidade e o gosto por aprender, a criatividade, a aplicação a situações concretas da vida real, alargando e tornando significativas as aprendizagens e aumentando o sentimento de pertença à comunidade e o bem-estar.
A Conferência Mundial sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável, Mondiacult 2022, da UNESCO declara a cultura um “bem público global” que deve ser transversal a todas as políticas públicas e propõe o reforço da ligação da educação à cultura e às artes, designadamente tradicional e local, para expandir e melhorar a qualidade e os resultados das aprendizagens, sobretudo nas crianças e jovens.
Através do exemplo das neurociências, percebemos que o modelo atual da ciência se abre a áreas que, no passado, estavam reservadas a outros domínios e eram desvalorizados pela ciência moderna, como a poesia ou a literatura.
Abre-se também aos saberes populares, por exemplo: a Década das Nações Unidas para a Restauração dos Ecossistemas (2021-2030) visa restaurar e regenerar ecossistemas naturais, incorporando conhecimentos tradicionais, como os dos povos indígenas que vivenciam estas práticas há milhares de anos com sucesso.
Por outro lado, a psicologia, a psiquiatria e outras áreas da medicina apresentam uma série de estudos científicos sobre os benefícios da ligação do ser humano à natureza, seja para o bem-estar/ felicidade humana, seja para o equilíbrio ambiental. O livro Perder o Paraíso - As nossas mentes precisam da natureza de Lucy Jones apresenta uma série destes estudos que cruzam ciências naturais com Psicologia e Psiquiatria e defende a tese do poder curativo da natureza, num mundo que parece estar em guerra com ela e em que as pessoas vivem ansiosas [4] - durante o confinamento da Covid-19 experienciamos os efeitos positivos da recuperação desta ligação à terra, plantas e animais.
Para além de um alargamento da ciência, reforçam-se conexões entre ciência e outras disciplinas tradicionalmente excluídas do conhecimento científico e da educação formal. Hoje a ciência faz-se em colaboração com as humanidades e o propósito de ambas é gerar explicações epistemologicamente justificadas que estejam na base das nossas decisões do dia-a-dia.
A biblioteca escolar proporciona oportunidades de aprendizagem:
- Integradas no CURRÍCULO (aprendizagens essenciais), do qual as ciências fazem parte;
- Não formais e informais, com ligação à CULTURA/ ARTES;
- Significativas, com ligação às EXPERIÊNCIAS/ VIDA dos alunos e que potenciam recursos e agentes da comunidade local e ajudam a resolver os seus problemas.
A educação deve ser fundada não apenas na Ciência, mas também em DIVERSAS DISCIPLINAS – História, Filosofia, Sociologia, Literatura, Arte/ Cultura… - que fomentam o pensamento crítico, suscitam a dúvida/ pergunta e a inquietação e o saber refletir sobre os problemas – reais, não mero exercício hipotético - e saber encontrar/ reimaginar soluções/ caminhos que preparem e melhorem a vida em comunidade. Desenvolve o gosto por aprender ao longo da vida.
Deve ser fundada em VALORES universais, como a dignidade humana e a solidariedade, que exigem atenção à realidade e que cada cidadão cumpra os seus deveres éticos e tenha em conta, nas suas decisões, pessoas, seres e ecossistemas mais frágeis. Ou valores como a liberdade de expressão, a democracia e o envolvimento cívico na vida comunitária.
Ciência, sim, mas também experiência, saberes, cultura, cidadania formam o campo da educação com a biblioteca escolar. Educação que está na base de todos os direitos e liberdades humanas e do desenvolvimento sustentável de todos os setores.
Nota
Esta comunicação foi apresentada no Encontro de Bibliotecas Escolares – A Ciência de Educar, integrado na iniciativa Contornos da Palavra, em Viana do Castelo.
Referências
- Galilei, Galileu. (1979). Diálogo dos Grandes Sistemas (p.117). Lisboa: Gradiva.
- Crato, Nuno. (2022, 4 out.). Começar bem o ano letivo (podcast). Lisboa: Educar tem Ciência. https://podcasts.apple.com/pt/podcast/tsf-educar-tem-ci%C3%AAncia-podcast/id1622779337
- Damásio, António. A educação dos sentimentos (vídeo). Portugal: Fronteiras/ FFMS https://www.fronteiras.com/descubra/pensadores/exibir/antonio-damasio
- Jones, Lucy. (2023). Perder o Paraíso - As nossas mentes precisam da natureza. Temas e Debates. https://www.temasedebates.pt/produtos/ficha/perder-o-paraiso/25880918