A arte de perguntar e escutar, com Joana Rita Sousa
Joana Rita Sousa é uma pessoa inquieta, curiosa, generosa, criativa e com uma sensibilidade ímpar. Viciada em livros e colecionadora de perguntas. Gosta de desafiar os porquês. Costuma apresentar-se como filósofa e perguntóloga. É fundadora da Filocriatividade (https://filosofiaparacriancas.pt/) — um blogue que professores bibliotecários, professores, educadores, pais e todos aqueles que se interessam por educação e filosofia deverão visitar e a cuja newsletter poderão subscrever.
A atividade filosófica da Joana Rita Sousa contraria a ideia de que a filosofia é inútil. As suas oficinas evidenciam o valor da escuta e do diálogo. A Joana realiza, por esse país fora e não só, formações, workshops, mentorias e consultorias, e colabora regularmente com várias entidades ligadas à filosofia, à literatura e à infância. Quando lhe perguntam o que faz, responde: «Faço perguntas e arrisco respostas.»
Para conhecer melhor o trabalho da Joana Rita Sousa recomendamos o livro Como Desenvolver o Pensamento Crítico das Crianças.
Que poderemos dizer sobre este livro?
Não é um romance, mas trata-se de uma narrativa, muito bem organizada, que entrelaça pensamentos, ideias que já foram testadas, inferências retiradas dos exercícios experimentados e leituras realizadas (aqui habitam muitos outros livros, todos mencionados na bibliografia). A narrativa parte da sua prática efetiva. Trata-se de uma verdadeira práxis.
Não é um livro de histórias, embora conte algumas.
Não é um livro sobre empatia, apesar de nela habitar muita empatia — sobretudo a empatia cognitiva.
Não é um livro de pedagogia, embora fale de pedagogia.
Não é um livro de exercícios, embora contenha muitas propostas de atividades. Nele encontramos espaços para escrever, anotar ideias, registar as nossas concordâncias e discordâncias, mas também os critérios adotados, listar os nossos livros perguntadores e inventariar as nossas perguntas.
Não é um livro de filosofia, embora o trabalho filosófico esteja bem presente ao longo do livro.
Afinal, que livro é este?
É um livro que provoca, inquieta, questiona e convida à reflexão. Desafia educadores, e adultos no geral, a repensarem práticas e a reconsiderarem a sua relação com as crianças e jovens.
É um livro que demonstra a pertinência da filosofia nos dias de hoje. Uma prova de que a filosofia é útil e preciosa. O seu valor é invisível, mas real. Aprender, estudar e exercitar o trabalho filosófico é um ato democrático e libertador contra as crenças injustificadas. É lutar por uma cidadania plena, é construirmo-nos como cidadãos ativos e participativos. Pensar criticamente é o mais difícil, mas o melhor dos exercícios filosóficos. Como desenvolver o pensamento crítico das crianças - aprendemos a dar os primeiros.
É um livro que nos obriga a dialogar, a pensar nos benefícios da escuta efetiva e na importância de “suspender o juízo”. Obriga-nos a tomar a consciência de que o apelo à autoridade é uma verdadeira falácia, de que o ato de concordar e discordar fazem parte do processo de diálogo e de que o mais importante é saber apresentar as nossas razões.
É um livro que nos convida a identificar e a questionar os nossos enviesamentos — sim, porque todos os temos! — e a reconhecer como estes podem ofuscar a lucidez do pensamento.
Este é um livro de partilha. De generosidade. Um livro perguntador.
A propósito do lançamento do livro, no mercado editorial, conversámos com a Joana Rita Sousa. Desta longa conversa partilhamos algumas questões que colocámos à autora:
Joana, quando é que te surgiu a ideia de escreveres este livro?
A ideia deste livro surgiu em 2023, se não me falha a memória, por convite da Marta Miranda e da Cátia Simões, da Manuscrito, que procuravam alguém que pudesse escrever sobre a temática do pensamento crítico. Conversámos, desenhámos um esqueleto inicial e depois lá tive de arregaçar as mangas e escrever. Nada como ter um compromisso para pôr mãos à obra.
O pensamento crítico está na ordem do dia. Contudo, muitos de nós questionamo-nos sobre como poderemos reconhecer se, em determinado momento, estamos a exercitar o pensamento crítico...
Há indicadores de que estamos a pensar criticamente, por exemplo, evitar a precipitação na hora de partilhar uma opinião; investigar cuidadosamente os temas sobre os quais pretendo emitir uma opinião; lembrar que o contexto é determinante para conjugar o que penso com o que faço; praticar um compromisso com a clareza das minhas palavras. Estes são alguns indicadores, aos quais também posso adicionar a capacidade de dizer "não sei" quando de facto não sabemos, evitando falar só por falar ou repetir ideias que ouvimos dizer algures.
Quando exercitamos o pensamento crítico na companhia de outras pessoas, é possível termos feedback e a apreciação dessas pessoas, quanto à presença de pensamento crítico. Podemos trabalhar colaborativamente nesse sentido.
Usualmente exerces o diálogo filosófico em comunidades. Nesse processo dialógico há um(a) facilitador(a). Que características deverá ter um(a) facilitador(a)?
Gostaria de sublinhar a disponibilidade da pessoa facilitadora para escutar o que dizem as pessoas da comunidade, bem como uma atitude que evite a precipitação.
Considero que é muito importante ter a consciência de que não somos pessoas neutras, carregamos a nossa percepção da realidade, os nossos enviesamentos, as nossas heurísticas.
O papel da pessoa facilitadora é o de criar um ambiente que convide ao pensamento em voz alta e que seja também provocador. Em que sentido? No sentido de colocarmos em causa as nossas ideias, sujeitá-las à apreciação das outras pessoas, revendo-as. A pessoa facilitadora também nos provoca a considerar cenários e possibilidades que talvez não tenham sido contemplados por nós. Em última instância e numa comunidade de investigação filosófica que já tem hábitos de diálogo e que já se auto-regula, a pessoa facilitadora faz muito pouco. Até lá, deverá modelar as atitudes da pessoa pensadora crítica, como a humildade intelectual, a obsessão pela transparência, o conforto com o silêncio, entre outras.
A propósito das perguntas, como é sabemos qual a pergunta certeira?
Para saber qual é a pergunta certeira, temos de fazer muitas perguntas. Algumas delas são muito pouco certeiras, porém fazem parte do processo de formular a pergunta certeira.
O "certeiro" de uma pergunta depende do contexto onde surge, do momento do diálogo que está em curso, bem como da(s) pessoa(s) a quem se dirige a pergunta.
O grande desafio de perguntar (e de pensar criticamente) é que as técnicas que aprendemos estão constantemente a ser aplicadas em contextos que encerram novidade.
No livro há um capítulo sobre os Livros Perguntadores. Como é que sabemos que um livro é perguntador?
Essa pergunta encontra resposta num dos capítulos do livro que é dedicado aos #LivrosPerguntadores, no qual elenco uma série de características desses livros. Nem todos os Livros Perguntadores apresentam todas as características, ou seja, não é uma lista cumulativa. Acima de tudo, o livro perguntador exige envolvimento por parte da pessoa leitora; esta é mais do que uma simples receptora da história. É convidada a perguntar "porquê..." ou "como..." e ainda o "e se...". Não há mensagens mastigadas ou prontas a comer. A mensagem do livro perguntador é: e tu, o que pensas sobre isto?
Por último, questionamos a Joana sobre se a filosofia pode mudar a nossa forma de pensar e de ser. Se sim... como?
A acontecer uma mudança no pensar, será o fruto de um processo que exige esforço por parte da pessoa que quer pensar filosoficamente. Não basta ler livros de filosofia e deixar que façam efeito, tal como acontece com um comprimido. O caminho passa por praticar o que se aprende. O Professor António de Castro Caeiro fala disso no seu livro, O que é a Filosofia?. Passo a citar: "Aprender é pôr em prática. É isto mesmo que se encontra expresso na sabedoria popular grega "saber é fazer". Quem não faz não sabe."
Muito agradecemos à Joana a disponibilidade para conversar sobre o seu trabalho e o seu livro Como Desenvolver o Pensamento Crítico das crianças.
Referência
Sousa, J. R. (2025). Como desenvolver o pensamento crítico das crianças: Parar, pensar, escutar, dialogar. Manuscrito Editora.