Capitalismo digital: Que consequências para a democracia?
Este artigo é a continuação de: Na era digital, a liberdade está em crise? e A internet livre e aberta está em risco?
A pressão capitalista das empresas privadas que detêm as grandes plataformas digitais está a modificar o sistema político global:
- Põe em risco a autonomia dos eleitores e o sistema de eleição e governação democrático, pois a parceria das grandes plataformas digitais com governos, pessoas ou organizações, inclusive de países estrangeiros, influencia resultados eleitorais comprometendo a integridade democrática;
- Contribui para a ascensão de líderes e governos extremistas e fomenta a propagação do discurso de ódio e da polarização, pois a estrutura das redes sociais, de que são proprietários, privilegia conteúdos sensacionalistas que tendem a gerar mais cliques.
O capitalismo digital ameaça os valores democráticos fundamentais, como a transparência, a igualdade de participação e a proteção contra a manipulação externa.
Segundo Daniel Innerarity, a própria estrutura do ambiente digital permite a propagação, de forma anónima/ irresponsável, de desinformação e ódio verbal, que não é acompanhado pelo aumento da violência. Pontos de vista que expressam desinformação e raiva circulam 6 vezes mais depressa do que os que expressam factos e moderação. Gerando mais cliques, aumentam o capital/ lucro dos proprietários das grandes plataformas.
De acordo com Innerarity, criaram-se ferramentas de verificação de factos (fact-checking), mas a sua utilização não garante que a verdade prevaleça pois, a estrutura da rede favorece a propagação.
A conversa pública baseia-se mais “nas interpretações subjetivas das pessoas” do que nos factos, dando lugar à “plataformização da democracia” (platformization of democracy): as plataformas digitais facilitam o meio de comunicação e moldam os conteúdos das conversas no domínio público
O acesso à rede filtrado por algoritmos pode gerar a ideia da possibilidade de exercício de uma liberdade individual desvinculada das obrigações/deveres sociais e formada por indivíduos autossuficientes. Porém, para responder à crise ambiental - e demais crises - teremos de sacrificar/ limitar a liberdade individual e desenvolver uma sociedade interdependente e colaborativa.
Poderá ainda haver ligação entre uma rede personalizada, gerida pelas grandes plataformas e as desigualdades e segmentação/ divisão da sociedade, a cultura identitária, o bullying e a cultura do cancelamento:
Vivemos tempos perigosos. Uma das principais armas das guerras culturais do século XXI é o cancelamento: a obliteração do interlocutor, a mordaça do ‘ou és igual a mim ou não és nada, não podes ser nada’” (Paulo Nogueira) [5].
Outras possíveis consequências do capitalismo digital:
- Perda de contacto/ligação à natureza e aumento das emissões de CO²;
- Problemas de saúde: mental, sono, obesidade, novas dependências;
- Perda de hábitos de leitura e escrita aprofundada, de concentração (foco/atenção plena), de escuta e argumentação: nas redes vence quem grita mais alto – em democracia, o poder exige fundamentação.
Referências