Ligar comunidades
por Júlia Martins*
O que torna uma biblioteca o reflexo do seu proprietário não é simplesmente a escolha dos títulos, mas a trama de associações implícitas nessa escolha. A nossa experiência faz-se de experiência, a nossa memória de outras memórias. Os nossos livros decorrem de outros livros, que os mudam ou enriquecem, que lhes atribuem uma cronologia diferente da dos dicionários literários. Ao fim de tanto tempo, sou hoje incapaz de rastear todas as ligações.
Alberto Manguel (2016). A Biblioteca à Noite. Ed. Tinta da China
Ligar comunidades é o mote, em 2024, para celebrar o mês das bibliotecas escolares que se comemora por esse mundo fora, dando visibilidade ao trabalho que é desenvolvido por professores bibliotecários, docentes, alunos, técnicos, pais e encarregados de educação, mas também por mediadores, escritores, criativos, entre outros.
No seio da biblioteca escolar desabrocham várias comunidades. Evidenciamos as comunidades de leitura, os encontros de leitores, os clubes que existem nas escolas e nas suas bibliotecas. Estas pequenas, mas grandiosas, comunidades são basilares no gosto pela leitura e para que este seja contagioso. As práticas de leituras fortalecem o pensamento crítico e exercitam a argumentação, ampliam o conhecimento do mundo e possibilitam que novas geografias e linguagens sejam descobertas. A leitura faz muito mais por nós: agrega partilhas, perspetivas, afetos e emoções. Liga. Une. Integra. Envolve. Abraça.
Homenageando as bibliotecas escolares e apelando à importância de Ligar comunidades partilho alguns títulos que nos fazem pensar, em diferentes tipos de comunidades, e sentir que somos parte de uma(s) comunidade(s).
Seguem todos juntos – mas quem são todos? Uma avó chamada Lena. Uma meia. Um jovem rapaz chamado Nico. Um bebé chamado Louis. Um A chamado Álvaro. Uma mãe-tigre chamada Antónia. Uma pedra conhecida por Bettina. Um pássaro chamado Sophie. A planta chamada Mar. Duas fatias de pizza, a Anna e o Leo E, ainda, a Maria, a Noah, a Muriel, o Marcus, a Natza, o Hans, a Lia, o Dusty e a Maya. “Todos Juntos” é uma narrativa visual, habitada por familiares e amigos que gostam de estar juntos, que têm vontade de fazer coisas em conjunto. Quando um dos elementos do grupo lança um desafio, todos aceitam. Porque partilham o prazer do convívio, do contentamento de estarem juntos na praia, no teatro, na livraria, em casa – para um delicioso almoço ou jantar – e em muitos outros sítios que estão ainda por descobrir. O importante é a união, a convivência, a partilha do momento, como se houvesse um fio invisível que os unisse e os tornasse um complemento uns dos outros. O ritmo da confraternização é marcado por uma pergunta: “Onde vamos a seguir?”.
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Obrigados a partir - Seis testemunhos de jovens migrantes é um livro que deveria existir em todas as bibliotecas escolares, que deveria ser dado a ler e ser trampolim para conversas em torno daqueles que são forçados a sair da sua comunidade, forçados a percorrer outras geografias e abraçarem novas comunidades. Será fácil? Porque o fazem?
As vozes de SOLY que veio do Senegal, da HELENA que deixou a Bolívia, do SAID que teve de fugir da Síria, da RUTH que nasceu em El Salvador, da MERIEM que se foi embora de Marrocos, tal como o OSSAMA, ecoam no leitor, mesmo quando o livro termina. São histórias de vida duras. Duríssimas. Verdadeiros relatos de superação.
Partiram escoltados pela dor e pela solidão.
O itinerário longo, incerto e tortuoso.
Chegaram, onde não conheciam ninguém, onde nem sempre o acolhimento e da integração foi fácil.
Múltiplos desafios a vencer: uma nova cultura, uma língua diferente. Formas de estar e de ser muito distintas das suas origens. Será que estamos todos ligados? Será que somos capazes de acolher bem? Afinal, qual o valor de uma vida?
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Todos contam é um livro desafiante e desafiador. Nestas páginas, existem várias vidas, as nossas, as de todos nós, as vidas das pessoas com quem nos cruzamos frequentemente, mas também as vidas daqueles com quem nunca nos cruzaremos. Aqui há encontros e desencontros.
À medida que avançamos na leitura constatamos que em Todos Contam há uma história, ou melhor, muitas histórias. Cada uma das personagens tem algo por contar e todos juntos contam novas histórias. Quer isso dizer que estamos todos ligados? Pouco a pouco, compreendemos que cada um é único, mas simultaneamente faz parte de um todo. Que todos contam! Será isso uma [verdadeira] comunidade? Afinal, quantas pessoas habitam neste livro? O que fazem? Terão alguma coisa em comum?
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No bairro nascem comunidades: os vizinhos, os amigos da escola, os que jogam à bola, os saltam à corda ou andam de trotinete, mas também os amigos que vão connosco à biblioteca ou dar umas braçadas na piscina. É no bairro que nasce a cidadania: respeitamos e somos respeitados, aprendemos o valor da cooperação e entreajuda, da liberdade e igualdade, agregamos e incluímos. Afinal, o que faz de um bairro o meu bairro? O que faz dessa localização o centro nevrálgico de uma cidade? De uma comunidade?
No Meu Bairro, de Lúcia Vicente com ilustrações de Tiago M, a cidadania é uma prática que se impõe, a inclusão e diversidade são abraçadas e o respeito pela individualidade é um princípio a seguir. Neste livro conhecemos doze moradores que habitam no bairro, doze breves histórias de vida, escritas em rima.
No Meu Bairro habita o Dinis que deu o grito que sempre quis, aliviando o seu coração, pois “já não precisava de viver angustiado”; Beatriz, a cigana feliz; o João, “de sapatilhas penduradas, e leggins apertadas, (…) não anda, nas rodopia e quase voa”; Daniela, a feminista à janela; o Magalhães, o menino que tinha duas mães; a Dandara, o Emanuel, a Esther, a Pilar, o Rodrigo, o Amir, entre outros. Todos diferentes. Todos moradores do bairro. Todas as pessoas que têm uma história por contar, um sonho por realizar ou o projeto por concretizar. No bairro hábito eu, habitas tu, habitamos nós e outros que virão.
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“Este livro responde a perguntas que as crianças nos fazem ou que nunca chegaram a sair da suas (e até das nossas) cabeças: «Como é que os nossos amigos ficam nossos amigos? O que nos faz aproximar ou afastar uns dos outros?» Uma história sobre como nascem os amigos e os vários níveis de amizade; como se explica que haja amigos mais próximos, amigos mais distantes, amigos que só estão alguns dias na nossa vida e amigos que estarão durante toda a vida, e que não o adivinhamos. Um texto sobre porque é que a nossa vida é bem melhor com eles do que sem eles. “[sinopse da responsabilidade da editora]
Afinal, o que nos une? Como nos aproximamos uns dos outros? Ou porque nos afastamos? Como congregamos os amigos em nosso redor? A amizade não será uma comunidade?
Mais livros que nos falam de outras comunidades:
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* Júlia Martins
Acredita no poder da leitura. Dar a ler é um desafio que gosta de abraçar. É leitora e frequenta, de forma assídua, Clubes de Leitura. Saiba mais
📷Imagem criada em https://www.canva.com/
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