A censura de obras e de autores, que atenta contra a democracia, não acontece apenas em ditadura e em sociedades totalitárias e autoritárias, mas em países com governação eleita democraticamente e com legislação que protege a liberdade de expressão e as bibliotecas, como Portugal.
Apresentam-se, de seguida, exemplos baseados em factos e respostas de associações de livreiros, bibliotecas e editores e de leitores e questões.
1. Exemplo dos EUA
Todos os anos, na Semana Nacional da Biblioteca, a ALA (American Library Association) publica o relatório State of America's Libraries, que resume as principais tendências das bibliotecas dos EUA no ano anterior [2].
Fonte da imagem [1]
O Office for Intellectual Freedom (OIF) da ALA constituiu um Observatório no setor da censura que recebeu, em 2023, 1.247 relatórios de bibliotecas públicas, escolares e universitárias, registando 4.240 pedidos de censura de títulos de livros.
A totalidade de títulos de livros alvo de censura aumentou 65% - 92% nas bibliotecas públicas - entre 2022 e 2023, atingindo os níveis mais elevados que a ALA alguma vez documentou.
Mapa de Livros Proibidos - Fonte da imagem [2].
O relatório State of America's Libraries refere “grupos e indivíduos que exigem a censura de vários títulos, muitas vezes listando dezenas ou mesmo centenas de títulos” (p. 4), criando bibliotecas de livros cujo único propósito é não serem lidos.
Os alvos de censura “visam desproporcionadamente os livros que que refletem as vozes e as experiências vividas por aqueles que são LGBTQIA+, negros, indígenas ou pessoas de cor” (p. 4).
Neste contexto, é fundamental as bibliotecas garantirem a Equidade Intelectual e evocam-se as palavras de Barbara Lison, Presidente da IFLA, a 5 de junho de 2023:
Os bibliotecários devem liderar a construção de “coleções que respondam às necessidades das comunidades como um todo. Eles precisam manter o foco em garantir que todos possam encontrar-se numa biblioteca, e não apenas aqueles que gritam mais alto ou desfrutam de maior poder político. Quando este não é o caso, as bibliotecas não estão a realizar todo o seu potencial para serem as forças do progresso e da equidade que deveriam ser. Esta situação é particularmente alarmante no caso das bibliotecas escolares, dado o papel vital que as bibliotecas desempenham na construção de competências e no alargamento de experiências” [3].
A ALA disponibiliza para download gratuito, sinopses de livros e os 10 títulos top de censura [3], para que todos os possam ler e partilhar, desencadeando um movimento de resistência e anti-censura [4].
Fonte da imagem [2].
Quais são as principais fontes de censura? Patrões, pais e grupos de pressão identitários.
A censura tem lugar sobretudo em bibliotecas públicas (54%) e bibliotecas escolares (39%).
Visa essencialmente a censura de livros e de novelas gráficas (76%), já que a censura sobre os outros tipos de recursos é residual, e.g. filmes, 2%.
Segundo a Diretora do Gabinete para a Liberdade Intelectual da ALA, Deborah Caldwell-Stone,
“Cada desafio, cada exigência de censura destes livros é um ataque à nossa liberdade de ler, ao nosso direito de viver a vida que escolhemos e um ataque às bibliotecas como instituições comunitárias que refletem a rica diversidade da nossa nação. Quando toleramos a censura, corremos o risco de perder tudo isto” (Relatório da ALA).
2. Exemplo do Brasil
No Brasil, a legislação protege as bibliotecas da censura, mas na vida diária, têm crescido significativamente (sobretudo no anterior governo) relatos de censura.
A FEBAB (Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários) criou a campanha Bibliotecas que não se calam, com formulário para submissão anónima de relatos de censura da coleção e de atividades das bibliotecas. Relatos e listas de livros censurados estão disponíveis na fonte [6].
Fonte da imagem [6].
Em “2024, a FEBAB quer ampliar ainda mais o debate de que as bibliotecas são espaços em que toda forma de manifestação e produção intelectuais devem ser preservadas” [6].
Exemplos de obras censuradas são: O estrangeiro, de Albert Camus; Romance negro e outras histórias, de Rubem Fonseca - a obra completa deste autor é alvo de censura; O castelo, de Franz Kafka; Crônica de uma morte anunciada, de Gabriel García Márquez; O capital, de Karl Marx; Contos de terror, de mistério e de morte, de Edgar Allan Poe; Série Harry Potter, de J. K. Rowling.
3. Declaração sobre a Liberdade de Expressão
A 14 de março de 2024, 5 organizações internacionais que representam autores, editores, livreiros e bibliotecas em todo o mundo, emitiram uma Declaração Internacional sobre a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Publicar e Ler, na qual afirmam “a natureza essencial e interligada da liberdade de expressão e das liberdades de leitura e de publicação” e apelam "aos Governos e a todas as demais partes interessadas para que ajudem a proteger, manter e promover as três liberdades - de expressão, de publicar e de ler - na lei e na prática" [7].
Estas organizações são: IAF (International Authors Forum), PEN International, IPA (International Publishers Association), EIBF (European and International Booksellers Federation) e IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions).
De acordo com o texto da Declaração:
“A verdadeira liberdade de leitura significa poder escolher entre a mais ampla gama de livros que compartilham a mais ampla gama de ideias. A comunicação irrestrita é essencial para uma sociedade livre e uma cultura criativa, mas carrega consigo a responsabilidade de resistir ao discurso de ódio, às falsidades deliberadas e à distorção dos factos. (…)
Sujeitos aos limites estabelecidos pelas leis e padrões internacionais de direitos humanos, os autores devem ter garantida a liberdade de expressão. (…) livreiros e bibliotecários devem ser livres para apresentar toda a gama de obras, em todo o espectro ideológico, para todos, sem que essa liberdade lhes seja restringida por governos ou autoridades locais, indivíduos ou grupos que buscam impor os seus próprios padrões ou gostos à comunidade em geral (…)
Para que livreiros e bibliotecários apresentem a mais ampla gama de obras escritas, deve haver liberdade de publicação. Os editores devem ser livres de publicar obras que consideram importantes, incluindo aquelas que são não convencionais, que são impopulares ou que possam até ser consideradas ofensivas por alguns grupos em particular”. (Questão de que demos nota no artigo de 15.04.2024, Declaração Internacional sobre a Liberdade de Expressão e as Liberdades de Publicar e Ler)
4. Carta Aberta de Obama
No contexto do atual movimento mundial de censura de livros, o ex-presidente americano Barack Obama publica uma Carta Aberta, na qual afirma:
“Hoje, alguns dos livros que moldaram a minha vida – e a vida de tantos outros – estão sendo desafiados por pessoas que discordam de certas ideias ou perspetivas. Não é por acaso que esses ‘livros proibidos’ são frequentemente escritos por ou apresentam pessoas negras, indígenas e membros da comunidade LGBTQ+.
(…) o impulso parece ser silenciar, em vez de sensibilizar, refutar, aprender ou procurar entender pontos de vista que não se encaixam nos nossos. (…) não só é importante que jovens de todas as esferas da vida se vejam representados nas páginas dos livros, mas também é importante que todos nós nos envolvamos com diferentes ideias e pontos de vista (…).
[Diringindo-se aos bibliotecários] Num sentido muito real, vocês estão na linha de frente – lutando todos os dias para tornar disponível para todos a maior variedade possível de pontos de vista, opiniões e ideias. A vossa dedicação e experiência profissional permitem-nos ler e considerar livremente informações e ideias e decidir por nós mesmos com quais concordamos. É por isso que quero aproveitar um momento para agradecer a todos vocês pelo trabalho que fazem todos os dias – trabalho que está a ajudar-nos a entendermo-nos a nós próprios e a abraçar a nossa humanidade compartilhada” [8].
Questões
- As bibliotecas escolares, em Portugal, já experienciaram casos de intolerância relativamente a títulos e atividades? Como se deve responder a estas situações?
- Títulos de vozes críticas e que expandem a cultura tradicional fazem parte das vossas bibliotecas escolares?
- Qual é a vossa opinião sobre “leitores de sensibilidade” que interpretam opiniões divergentes como ameaças ao grupo identitário e apelam à reescrita de livros?
- As bibliotecas escolares criam ativamente um ambiente protetor da liberdade de expressão e leitura - e da inclusão - que promova a tolerância, o respeito e a compreensão mútua, o diálogo, a crítica construtiva, a diversidade de ideias, de estilos de vida e de culturas?
Este não é um livro de histórias, apesar de nos contar muitas histórias. Este não é um livro de empatia, apesar de nele habitar muita empatia. Este é não é um livro de pedagogia, apesar de falar de pedagogia. Este é um livro que dá voz à criança e que a coloca no centro da aprendizagem. Este é um livro que nos provoca e inquieta. Este é um livro que evidencia as qualidades do movimento da Escola Moderna. Este é um livro sensível, emotivo, sedutor e genuíno. Este é um livro que todos os que trabalham com crianças vão quer ler. Este é um livro que obriga os educadores a repensar as suas práticas. Este é um livro que os professores bibliotecários devem conhecer, ler e divulgar.
Décadas de trabalho, em sala de aula, de observação, de um trabalho de proximidade com alunos com dificuldades diversas, “mil andanças” como autora, visitas a bibliotecas escolares, correspondente, via postal ou eletrónica, com crianças de várias escolas, conversas hilariantes com crianças e outras experiências inspiraram Manuela Castro Neves para escrever este «caderno» onde o leitor ficará a conhecer a sua paixão – a aprendizagem – e as suas reflexões sobre dificuldades reais no ensino. No prefácio, escrito por Maria Emília Brederode Santos, podemos ler: “(…) com este livro, a autora [convida-nos] a uma reflexão conjunta, ainda que à distância, que envolve os meninos no seu todo e a própria finalidade da Educação.”
Manuela Castro Neves foi professora do 1.º ciclo do ensino básico durante mais de quarenta anos, tendo arrecadado uma larga experiência de trabalho com crianças de meios socioculturais heterogéneos. Atualmente, dá apoio pedagógico a alunos que, por diversas razões, se atrasam no seu percurso escolar, trabalhando numa visão empática e sempre atual dos métodos pedagógicos para benefício dos que mais dele precisam.
Caderno A4 apresenta-nos um conjunto de textos curtos que relatam episódios vividos com crianças entre os quatro e os dez anos de idade que ocorreram em sessões de apoio individualizado ou em encontros com os seus leitores quer em escolas quer em bibliotecas. Estas «histórias» resultam de “escuta atenta à voz das crianças e da valorização das suas opiniões, interrogações e descobertas” que devem ser lidas e refletidas por pais, educadores, professores e todos aqueles que se interessam por dar voz às crianças e que se preocupam com o ato de escutar.
Nestas «histórias» há protagonistas invisíveis, os docentes, e visíveis, os alunos. Os primeiros surgem de forma impercetível, mas fazem parte da história. Os segundos dão significado e singularidade a estas «histórias» e são, sem dúvida, os que desempenham o papel principal. Ao leitor é dado a conhecer alguns destes alunos assim como os seus percursos de aprendizagem. Nem sempre lineares, muito pelo contrário. São percursos cruzados, problemáticos, questionáveis e embaraçados. Como ajudar estes jovens? – Não basta explicar, e voltar a explicar, os conteúdos. Não os podemos abandonar ou ignorar. Compreender os problemas, identificar obstáculos, fazer do pouco muito, envolver efetivamente a criança nas aprendizagens apresentando-lhe soluções diferenciadoras, reforçando exíguos avanços e fazendo do erro uma oportunidade para alcançar sucesso, talvez sejam boas opções. Manuela Castro Neves mostra ao leitor como, nas aulas de apoio pedagógico, faz uso destas estratégias. Contudo, não basta aplicá-las, é necessária disponibilidade para abraçar cada situação, cada menino, para o escutar, mesmo quando o silêncio impera ou as palavras são imprecisas, não esquecendo que é necessário tempo, esse bem cada vez mais escasso nas nossas vidas e nas aprendizagens.
por Isabel Gonçalves, professora bibliotecária AE de Arouca (até 2022-2023)
O auditório está cheio. Alunos do 3.º ciclo passam os dedos pelo ecrã do telemóvel, conversam para os lados, para trás e para a frente; entortam-se, com a lateral da sapatilha sobre o joelho, como se a cadeira fosse a de uma esplanada; uma ou outra risada, meio contida, sobressai do burburinho.
Nas minhas mãos, o alinhamento da sessão. A colega já preparou o quadro interativo. Tudo a postos. Dizem-nos que já estão todos. Que podemos começar.
Entorno o olhar pela plateia. Ninguém parece importar-se comigo. Tenho algum receio. É a primeira vez, desta forma. Respiro fundo e pouso o olhar no papel.
«Retângulo verde, meio de sombra meio de sol Vinte e dois em cuecas jogando futebol Correndo, saltando, ziguezagueando ao som dum apito Um homem magrito, também em cuecas E mais dois carecas com uma bandeira…»
Leio ao estilo de relato – não demasiado alto, que a minha voz não mo permite.
Um relance de olhar pelo público é suficiente para perceber que sou agora o foco.
Continuo. Guardam-se telemóveis, endireitam-se colunas vertebrais, apoiam-se pés no chão, faz-se silêncio. Um «Gooooolllllooooo!», solta-se das minhas cordas vocais, numa pujança que me surpreende. Enquanto prolongo o «o», dirijo a vista para a assistência. Os rostos, que não deixam adivinhar emoções, projetam-se silenciosamente na minha direção. Continuo a leitura com o mesmo estilo, sem medo do ridículo. Não há risos. Não há conversa. Não há distrações. No final, digo apenas: Ode ao Futebol, um poema de Tóssan.
Damos início à sessão propriamente dita, que decorre muito bem.
E assim aconteceu, nas restantes sessões que a Biblioteca Escolar desenvolveu, no âmbito do MIBE.
Resultava. Não havia dúvidas. A partir daí, comecei a fazê-lo em diversas situações. A substituir o «Vamos ouvir!», «Prestem atenção!» «Silêncio!»… por um poema. Sem conversas sobre o mesmo, sem exploração. Não importa se os alunos o compreendem, se percebem todas as palavras. Importa que usufruam do momento.
A poesia é mesmo assim, chega com pés de lã, sem avisar, sem pedir licença, silenciosa (mesmo no barulho das palavras, dos sons, da vida) e vai-se infiltrando, com suavidade, sem se dar por ela. Quando nos apercebemos, já não há nada a fazer: já se entranhou (mesmo sem fase de estranhamento), já tatuou o nosso ser. Mesmo que em determinados momentos não reparemos nela, não lhe demos atenção, nos esqueçamos até que existe, ela continua lá. E quando menos se espera, quando mais precisamos até, ela surge, mostra-se, toma-nos no seu regaço e aconchega-nos.
Proporcionemos encontros da poesia com as crianças e os jovens (e adultos também, nunca é tarde), com frequência (diários, seria perfeito), para que eles tenham a oportunidade de a conhecer, de privar com ela, de se tornarem bons (os melhores) amigos. Não importa o local: na escola, em casa, na rua, na praia (a poesia adora andar descalça na areia), no campo, na cidade, no museu, na biblioteca…e só depois, se assim o entenderem, poderão renunciá-la, negá-la, como fez Mónica.
Lancemos as sementes. Mesmo que os caminhos sejam pedregosos e pouco propícios à geminação, haverá sempre alguns grãos de areia, entre duas ou três pedras, por onde algumas poderão despontar, ainda que a medo. E quando o viandante se deparar com elas, tem pelo menos duas opções (em todos os cenários há sempre pelo menos duas opções): ou as contorna, ignorando-as (casos mais extremos poderá até pisá-las, espezinhá-las), seguindo o seu caminho; ou as apanha e guarda, para fazer, quem sabe um dia, um castelo.
Comecemos por nós, professores e educadores em geral: deixemos que a poesia nos entre pelas retinas, pelos tímpanos, pelas narinas, que se entranhe na pele e passe pelas papilas gustativas; que se deite connosco à noite.
Descubramos todos a poesia – porque a poesia ensina a cair; e a levantar.
Nota: Qualquer semelhança de algumas expressões com versos de poemas de grandes poetas como Fernando Pessoa, Herberto Hélder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Luiza Neto Jorge, não é mera coincidência.
Isabel Gonçalves professora bibliotecária AE de Arouca (até 2022-2023)
Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
Esta rubrica visa apresentar apontamentos breves do quotidiano dos professores bibliotecários, sem qualquer preocupação cronológica, científica ou outra. Trata-se simplesmente da partilha informal de vivências.
Se é professor bibliotecário e gostaria de partilhar um “retalho”, poderá fazê-lo, submetendo este formulário.
I. A biblioteca escolar é um espaço de liberdade por 3 razões:
1.Envolvem todas as disciplinas/literacias e parceiros/especialistas ao trabalharem o currículo com ligação:
- Aos grandes temas e problemas da humanidade,
- A histórias, a ciência e tecnologias e às expressões, designadamente às artes e à cultura.
Esta abertura de perspetivas/pontos de vista e interdisciplinaridade traduz a natureza livre do pensamento e ação estratégica da biblioteca escolar.
2. Dão acesso a todas as pessoas toda a informação, recursos e espaços, que são partilhados.
3. São comunidades interculturais, plurilingues e representativas de todos:
“bibliotecas de todos os tipos devem refletir, apoiar e promover a diversidade cultural e linguística nos níveis internacional, nacional e local e, assim, trabalhar para o diálogo intercultural e a cidadania ativa. […]
Atenção especial deve ser dada a grupos frequentemente marginalizados em sociedades culturalmente diversas” [2].
A biblioteca escolar deve constituir uma “comunidade convivencial” (A. Nóvoa), deve ajudar a construir “uma ‘vida em comum’” - “Não é só o futuro da escola que está em causa, é mesmo o futuro da nossa humanidade comum. Nunca, como hoje, foi tão urgente uma educação que contribua para a democratização das sociedades” [3].
II. Há três desafios na área do digital, informação e mediadecorrentes da divisão e polarização social e poltica e aos quais, na vida diária das bibliotecas escolares, o professor bibliotecário deve estar atento e responder. Prendem-se com 3 ordens de razões:
A. Desigualdade e cultura identitária
Segundo o último relatório da Oxfam, que procura implementar soluções para a pobreza, “1% [de pessoas] mais rico do mundo detém 43% de todos os ativos financeiros globais” e “emite tanto carbono como os dois terços mais pobres da humanidade” [4].
Esta desigualdade e injustiça gera uma cultura identitária: cada grupo tem uma agenda específica que dita o que é aceitável. Apela ao direito de liberdade de expressão para defender o seu conteúdo e, simultaneamente, à restrição de conteúdo com o qual não se identifica.
Exemplo literário:
“O não ouvir é a tendência a permanecer num lugar cómodo e confortável daquele que se intitula poder falar sobre os Outros, enquanto esses Outros permanecem silenciados. […] O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir.”
Ribeiro, Djamila. (2019). Lugar de Fala. [5].
“Vivemos tempos perigosos. Uma das principais armas das guerras culturais do século XXI é o cancelamento: a obliteração do interlocutor, a mordaça do ‘ou és igual a mim ou não és nada, não podes ser nada’. Na realidade virtual, o linchamento é eletrónico e persecutório, na realidade física, chega a descambar na ‘resposta de quem não tem argumentos’, a execução biológica”.
Nogueira, Paulo. (2022, Jan.). Todos os Lugares São de Fala: Manifesto pela Liberdade de Expressão. [6].
Quem detém o poder político, detém a palavra/discurso, principal instrumento de influência/propaganda para perpetuação do poder e de privilégios.
O acervo das bibliotecas escolares reflete as divisões/hierarquias – e lacunas - do poder/discurso transmitidas ao longo da história e os preconceitos/estereótipos que fazem parte do discurso de ódio. As suas obras não são neutras e exigem questionamento e reflexão crítica, conforme se observa no exemplo partilhado por um professor bibliotecário, Discussão: Há racismo em Mark Twain? O caminho da literatura inclusiva.
B. Polarização no ambiente digital
O digital surgiu sobretudo para fins sociais (redes sociais).
A estrutura da internet é fragmentada/dividida, a partir de algoritmos:
“A informação difunde-se sem ser filtrada pelo espaço público. Produz-se em espaços privados e é enviada para espaços privados [algoritmos]. Por isso a Internet não constrói uma esfera pública. As redes sociais intensificam esta comunicação sem comunidade” [7].
A digitalização da vida diária e as redes sociais geram uma desintegração da vida pública e da democracia. A polarização leva à disseminação de desinformação que reforça as crenças dos grupos identitários e desacredita as vozes não alinhadas com a narrativa dominante.
Há que destacar o papel/responsabilidade das empresas gigantes que dominam o mercado mundial de tecnologia e inovação e criam algoritmos baseados em vigilância e fazem crescer o seu capital à medida dos cliques, amplificando a polarização/divisão e o discurso de ódio/ violência/ guerra e de desinformação nas redes sociais, numa escala nunca antes experienciada - cliques significam lucro para as BIG TECH.
Pontos de vista que expressam raiva e desinformação circulam muito mais depressa do que os que expressam moderação e factos.
C. “Crise epistémica”
Segundo Sarah Hartmen-Caverly, experienciamos uma “crise epistémica”:
“resultante das mudanças nos media e da omnipresença da Internet (…) teorias da conspiração, desinformação [disinformation], distração através da engenharia da atenção [e.g. notificações], ‘notícias falsas’, sobrecarga de informação, informação maliciosa [malinformation], manipulação, informação enganosa [misinformation], polarização, propaganda e vigilância [e infodemia]. (…) devido ao seu excecional compromisso com a liberdade intelectual e confiança pública, as bibliotecas têm uma ‘oportunidade única’ de combater a crise epistémica de ‘dúvida, desconfiança, manipulação, supressão e censura’, fomentando a consideração de pontos de vista diferentes, a atenção a novas informações e o exame crítico” [8].
- Autocensura e silenciamento (os autores evitam esses tópicos)
- Menor diversidade cultural
podendo comprometer liberdades/direitos fundamentais e inclusão.
Dois exemplos que respondem positivamente a estes desafios:
a) Salman Rushdie, escritor britânico nascido na Índia, foi atacado a 12 agosto de 2022 em palco durante uma palestra num festival literário de Nova Iorque. O seu livro de memórias, Knife: Meditations After an Attempted Murder [Faca: Meditações após Uma Tentativa de Assassinato] foi publicado a 16 de abril de 2024.
b) O trabalho de jornalistas/autores que contam histórias reais de minorias, e.g. "‘Cinco Séculos de Portugueses Ciganos’ é um dos 36 trabalhos nomeados pelo primeiro prémio mundial de jornalismo escrito” [9].
Decorreu, no dia 27 de maio, na Biblioteca Pública de Évora a 4ª edição do concurso de leitura expressiva “Leituras na Planície”.
O concurso foi organizado pelos professores bibliotecários dos Agrupamentos de Redondo, Moura, Portel, Manuel Ferreira Patrício (Évora), André de Gouveia (Évora) e Escola Secundária Poeta Al Berto (Sines), sendo coadjuvado pela Rede Bibliotecas Escolares através dos respetivos coordenadores interconcelhios.
Participaram nesta iniciativa 39 Agrupamentos de Escolas e estiveram na final 36 alunos (3 alunos por ano de escolaridade de todos os níveis de ensino).
Este ano o concurso teve como objetivos principais:
- A promoção do gosto pela leitura;
- O contacto com os livros;
- O desenvolvimento da expressividade/ leitura expressiva em voz alta.
Esta iniciativa decorreu em 3 fases:
1.ª Fase - Em sala de aula com os professores titulares de turma ou professores de Português: o professor selecionou 2 alunos por turma, os quais irão à 2.ª fase a realizar a nível do Agrupamento/ Escola;
2.ª Fase - Na Biblioteca Escolar sendo selecionado um aluno por ano de escolaridade;
A fase final foi constituída por dois momentos:
a) Prova de pré-seleção online- todos os alunos apurados na 2.ª fase gravaram um ficheiro áudio com a leitura do excerto do texto ou do poema das obras selecionadas para os respetivos anos de escolaridade.
b) Prova Final - no dia 27 de maio na Biblioteca Pública de Évora.
O júri da final foi constituído por um representante de cada uma das seguintes instituições: Rede de Bibliotecas Escolares, DGEstE-DSRA, Câmara Municipal de Évora, Câmara Municipal de Redondo, CFAE Beatriz Serpa Branco e por um Coordenador Interconcelhio RBE convidado.
A Biblioteca Pública de Évora proporcionou a todos os alunos participantes na final um momento de convívio entre os participantes com jogos de tabuleiro orientados pelos colaboradores da BPE.
Foi um dia de convívio, em torno da leitura.
Espera-se que a iniciativa volte no próximo ano com nova edição do Concurso e que continuemos a promover o gosto pela leitura aos nossos alunos.
O Relatório de Tendências da IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions – associação de que a RBE é membro desde 2022), publicado pela primeira vez em 2013 e atualizado anualmente, identifica cinco tendências de alto nível que moldam a sociedade da informação, abrangendo o acesso à educação, privacidade, envolvimento cívico e transformação.
Como iremos aceder, utilizar e beneficiar da informação num mundo cada vez mais hiperconectado?
É esta a pergunta de partida e pretende-se que este Relatório seja um ponto de partida - um catalisador - para a discussão, tanto no campo das bibliotecas, como quando se fala com parceiros externos. É um apoio para ajudar a pensar o que é necessário fazer para estarmos preparados para o que está para vir, de modo a que as bibliotecas possam não apenas sobreviver, mas prosperar.
As suas conclusões refletem uma consulta anual a uma série de especialistas e partes interessadas de diferentes disciplinas para mapear as mudanças sociais mais amplas que ocorrem ou que provavelmente ocorrerão no ambiente da informação.
Mais do que um único documento, o Relatório de Tendências da IFLA é uma seleção de recursos para ajudar a compreender onde as bibliotecas se enquadram numa sociedade em mudança que estão disponíveis num sítio Web especificamente dedicado: https://trends.ifla.org./
O Relatório de tendências da IFLA 2023 [1] é o último da atual série de "pequenas" atualizações do Relatório de Tendências. Em 2024, a IFLA espera lançar uma nova "grande" atualização, que seguirá os passos do original de 2013.
Tendências de alto nível
O Relatório identifica cinco tendências de alto nível que desempenharão um papel fundamental na formação do nosso futuro ecossistema de informação:
TENDÊNCIA 1 As novas tecnologias irão expandir e limitar quem tem acesso à informação.
TENDÊNCIA 2 A educação online irá democratizar e perturbar a aprendizagem global.
TENDÊNCIA 3 Os limites da privacidade e da proteção de dados serão redefinidos.
TENDÊNCIA 4 As sociedades hiperconectadas ouvirão e capacitarão novas vozes e grupos.
TENDÊNCIA 5 O ambiente global da informação será transformado pelas novas tecnologias.
Tendências 2023 e respostas necessárias
O Relatório 2023 identifica 12 tendências e apresenta várias respostas importantes que podem ajudar a pensar todos os que se ocupam de bibliotecas desde o nível macro (como a Rede de Bibliotecas Escolares) como a nível micro (cada uma das bibliotecas escolares).
Neste artigo apresentamos uma súmula das questões que nos pareceram mais significativas par ao mundo das bibliotecas escolares, no entanto aconselhamos vivamente a leitura integral do documento.
1. As bibliotecas são cada vez mais vistas como irrelevantes num mundo em mudança
Temos de encarar a advocacia como uma parte essencial da concretização dos nossos objetivos.
Devem ser envidados esforços para garantir que os decisores políticos e as partes interessadas reconheçam o potencial transformador das bibliotecas modernas e as integrem efetivamente nas estratégias de desenvolvimento.
Temos de ser capazes de mostrar como também conseguimos reavaliar as nossas estratégias, serviços, políticas e programas para permanecermos relevantes na era digital.
Temos de tomar medidas proactivas para sublinhar o nosso papel indispensável, não só perante as entidades governamentais e as partes interessadas, mas também perante o público em geral.
Temos de nos ver - e ser vistos - como participantes ativos com uma voz legítima e contributos valiosos para oferecer.
2.O mundo está a enveredar por um caminho que desconsidera o valor das infraestruturas comunitárias e da informação para o desenvolvimento.
Precisamos de garantir que estamos a concretizar plenamente o potencial do nosso papel nas comunidades como espaços de acesso e criação de conhecimento e, por conseguinte, de capacitação.
Temos de ajudar as comunidades a tomar consciência do valor do que têm, e a prepararem-se para o defender. Através do apoio à participação cívica, ajudamos a dar a mais pessoas a confiança e as competências para advogar e defender a importância de instituições como as nossas.
Temos de unir esforços para defendermos um ambiente de informação saudável na política e na legislação. Esta não pode ser apenas uma questão de regulamentar os excessos de algumas grandes plataformas da Internet, mas sim explorar a forma como nós - em parceria com outros - podemos construir, de forma positiva, uma agenda global para a integridade da informação.
Precisamos de encontrar formas de ajudar as pessoas a desenvolverem a curiosidade e aprenderem a ser críticas e confiantes quando lidam com a incerteza, em vez de chegarem a conclusões fáceis.
3.Em muitos países, a despesa pública - e, por conseguinte, a margem de investimento - está a diminuir
Temos de ser mais claros e mais eficazes na defesa dos nossos interesses. Trata-se, em parte, de garantir que podemos honestamente dizer aos financiadores que estamos a utilizar da forma mais eficaz os recursos que recebemos, mas também sermos claros na nossa defesa de que gastar em bibliotecas é um investimento e não um custo.
Temos de falar em termos que os decisores compreendam e respondam.
4. Sociedades mais diversas tornam mais complexa a prestação de serviços universais e a consecução da equidade
É necessário pensar em novas formas de prestação de serviços que os tornem disponíveis e acolhedores para todos, independentemente da situação de cada um, e avaliar o que o que fazemos na perspetiva de todas as medidas comunitárias.
Temos de trabalhar ativamente para colmatar as lacunas e fazer das bibliotecas um local onde todos se sintam valorizados, empoderados e capazes de tirar pleno partido das oportunidades que elas oferecem.
Precisamos de nos certificar que temos, dentro da nossa própria força de trabalho, a maior diversidade possível. É necessário atrair e reter talentos diversificados para a nossa profissão de modo a garantir que refletimos as comunidades que servimos.
5. A regulamentação dos espaços digitais está a acelerar, mas sem considerar os impactos no modo como as bibliotecas apoiam desenvolvimento
Devemos ver-nos - e ser vistos - como partes interessadas nos debates sobre a governação da Internet, e até explorar a forma como podemos ajudar as nossas as comunidades a empenharem-se mais nesta matéria, pois, em última análise, são elas que suportarão as consequências da redução do acesso à informação e à expressão.
É necessário sublinhar o valor da liberdade intelectual e do conhecimento profissional, bem como do acesso à cultura, à investigação e à educação.
Temos de pensar o modo como podemos garantir que cada indivíduo tem acesso à informação e às competências de que necessita para prosperar. Devemos também promover iniciativas de literacia digital que possam capacitar os utilizadores para navegarem on-line de forma responsável e defender políticas que promovam um acesso equitativo à informação para todos.
É urgente tornar claro que as bibliotecas devem ser isentas das regras destinadas a plataformas multimilionárias.
6. Um mundo cada vez mais incerto intensifica os desafios e dificulta a prestação de serviços
É necessário assegurar a integração significativa das bibliotecas e das suas coleções no planeamento da gestão do risco de catástrofes: preservação dos edifícios, das coleções e dos técnicos.
Temos de tirar partido da nossa experiência e recursos para capacitar as comunidades para navegarem na incerteza e para promoverem mudanças positivas, assegurando que as bibliotecas continuam a ser pilares de apoio, indispensáveis num mundo cada vez mais incerto.
7. Existem obstáculos persistentes e crescentes à criação de parcerias para o desenvolvimento
É essencial que as bibliotecas cultivem confiança e disponibilidade para estabelecer parcerias com diversas partes interessadas, compreendendo os seus contributos únicos e o seu potencial impacto.
Devemos estar preparados para chamar a atenção para os obstáculos administrativos e jurídicos ou outros que dificultam o trabalho com os outros.
8. As desigualdades geográficas persistentes são reforçadas por um investimento desigual nos serviços públicos
Devemos melhorar a coordenação e a criação de redes dentro dos países para facilitar a colaboração entre serviços bibliotecários.
É fundamental tirar partido da tecnologia, da acessibilidade linguística e automatização do sistema para simplificar esforços e permitir uma comunicação eficiente e a partilha de recursos entre bibliotecas de diferentes tamanhos e localizações.
É imprescindível aproveitar o potencial da Internet para alargar o acesso a uma infinidade de serviços.
Temos de promover o desenvolvimento de serviços centrais (digitais) que possam facilitar o trabalho de profissionais em zonas mais desfavorecidas.
É necessário estabelecer parcerias com governos locais, programas de divulgação e outros potenciais parceiros para criar programas inovadores que minimizem os impactos das desigualdades regionais.
Precisamos de nos empenharmos na cooperação internacional e interajudarmo-nos.
9. Os trabalhadores das bibliotecas e da informação são vistos como auxiliares e não como atores do desenvolvimento por direito próprio
É preciso garantir que os bibliotecários sejam proativos e expliquem de forma clara, convincente e persistentemente porque é que são importantes.
Temos de sublinhar a importância da aprendizagem contínua e do desenvolvimento profissional e assegurarmo-nos de que permanecemos na vanguarda da inovação, dominando as competências necessárias para fazer face à evolução e aos desafios e servir eficazmente as nossas comunidades.
É necessário criar um consenso alargado em torno da necessidade de defender a biblioteconomia profissional e elevar o estatuto dos trabalhadores das bibliotecas e da informação, através de uma ação coletiva em defesa desta causa.
É importante resistir a esforços para eliminar a obrigação de contratar bibliotecários para funções de bibliotecário, mas também oferecer possibilidades para os não bibliotecários desenvolverem competências.
10. A globalização continua a abrir novas expectativas para o acesso à informação
Deve haver uma agenda positiva a nível nacional e internacional para garantir que as bibliotecas tenham direitos e confiança para agirem internacionalmente, disponibilizando as coleções tanto quanto possível, bem como ajudando as suas comunidades a aceder e a utilizar a informação de que necessitam, onde quer que ela se encontre.
11. Mesmo com a melhoria da conetividade, o fosso digital persiste e está a agravar-se
É preciso reconhecer o lugar das bibliotecas como atores multifuncionais nas estratégias de inclusão digital.
Precisamos de uma abordagem construtiva, embora crítica, da Internet, e um maior sentido de agência e mesmo de responsabilidade em ajudar os utilizadores a tirar o máximo partido dela e a dar o salto para uma utilização segura, ética e confiante.
12. Estamos demasiado ocupados a lidar com crises para pensar estrategicamente
É necessário promover iniciativas de aprendizagem ao longo da vida e alargar as ofertas educativas para além dos contextos formais (tanto para nós próprios como para as nossas comunidades) para aumentar a resiliência e a capacidade de reação. Os esforços coletivos podem cultivar uma cultura de pensamento estratégico.
Temos de investir em estratégias de desenvolvimento de talentos concebidas para cultivar futuros líderes e dar-lhes a oportunidade de desenvolverem competências que complementem as adquiridas no ensino formal.
É necessário desenvolver ferramentas que ajudem os bibliotecários a estruturarem o seu pensamento, e sentirem-se mais capacitados e confiantes para responder à mudança.
A biblioteca escolar é o coração da Escola. Muitas são as razões para esta centralidade. Hoje, falamos só de uma das razões: a promoção da leitura. As atividades de leitura promovidas pela biblioteca escolar devem articular-se com a prática docente e com as aprendizagens, contribuindo para a compreensão, por parte do aluno, de que ler é importante e transformador. Ler permite-nos ser cidadãos competentes, atentos, reflexivos e críticos e desempenhar um papel ativo na criação de sociedades que se querem livres e democráticas. As bibliotecas querem formar cidadãos leitores que sejam capazes de ler o mundo.
Neste sentido, a biblioteca escolar deverá sensibilizar, pais e encarregados de educação, alunos e professores, para a importância do livro e da leitura, cabendo ao professor bibliotecário ler e dar a ler.
A promoção da leitura não é tarefa pontual, de um dia só ou de um momento esporádico, mas exige um longo processo de ações continuadas, de atitudes concertadas, de boas práticas que aproximem cada vez mais e melhor as crianças e jovens aos livros. A formação de leitores está no centro das dinâmicas da biblioteca escolar, por isso, hoje, deixamos sugestões para que os professores bibliotecários possam refletir e melhorar dinâmicas de leitura nas bibliotecas e, deste modo, contribuir significativamente para a formação de leitores.
Ler o mundo: Experiências de transmissão cultural nos dias de hoje[i] é um manifesto lúcido e necessário, “uma apologia. Para que a literatura, oral e escrita, e a arte sob todas as suas formas tenham um lugar na vida de todos os dias, em particular na das crianças e dos adolescentes.” A autora partilha com o leitor exemplos de práticas bem-sucedidas que associam a leitura, a palavra, à memória e à imaginação, mas também à história, à geografia, ao corpo, ao teatro, à dança - em resumo, a toda a experiência de ordem sensível e/ou intelectual que nos coloca em contacto direto com o outro e com o mundo. Tenta responder às questões “para que serve ler? Porquê ler hoje? Porquê incitar as crianças a fazê-lo? E ainda: quais são os fundamentos da importância da literatura, mas também, de forma mais genérica, da transmissão cultural?”
Michèle Petit[ii] dialogou com mediadores e “educadores pela arte” sobre o engenho de enfeitiçar aqueles que se encontram afastados da literatura e da arte. Ouviu múltiplas vozes sobre experiências leitoras. Hoje, neste seu livro, partilha o saber resultante dessas conversas, encontros, estudos e de muitas leituras sobre importância do livro e da leitura no crescimento dos jovens e sua construção enquanto pessoas. Este é um livro sobre formação de leitores e neste sentido trata-se de um livro que interessa a professores, pais, bibliotecários, agentes culturais e a todos aqueles que amam os livros e acreditam no poder da leitura. A formação de leitores é um processo, sabemos onde começa, mas não onde termina. Criar a necessidade, o hábito de leitura é o objetivo. Michèle Petit recorda-nos como a mediação leitora é crucial e como no(s) livro(s) habitam perguntas, muitas perguntas, e algumas respostas. Afinal, quando o adulto mostra à criança um álbum infantil quer, simplesmente, dizer-lhe que “apresento-te os livros porque uma imensa parte do que os seres humanos descobriram está aqui escondido. Poderás ir lá procurar respostas que te ajudam a dar sentido à vida, saber o que os outros pensaram das perguntas que te fazes - não estás sozinha para as enfrentar.“
A pergunta “Para que serve ler?” dá título ao segundo capítulo do livro e induz o leitor a uma reflexão profunda e, simultaneamente, disponibiliza possíveis respostas. Ler serve para estimular a fantasia e a criatividade, respondem muitos. É uma companhia, responderão outros. Michèle Petit lembra que as respostas encontram abrigo em diferentes espaços e tempos, assim como na riqueza da intertextualidade, pois todos nós nos apropriamos dos “textos lidos sem sequer pensar nisso”. Ler é multifuncional: “serve para descobrir – não pelo raciocínio, mas pela descodificação inconsciente – que nos assombra, o que nos assusta”; ler serve para “elucidar a nossa experiência singular” ou simplesmente para “encontrar uma força, uma intensidade que acalma, qualquer coisa inesperada que reactiva a actividade psíquica, o pensamento, a narração interior.”
Incentivar o prazer de ler: actividades de leitura para jovens[iii] é um livro publicado em 2006, pela Edições Asa, conhecido de muitos professores, bibliotecários e professores bibliotecários, que apresenta um conjunto de trinta atividades que incentivam o gosto de ler, para alunos do pré-escolar ao secundário. O autor adverte que as atividades exibidas foram todas testadas e que muitas continuam a ser experimentadas em diferentes contextos. Afinal, como incentivamos os nossos jovens a ler? “(…) o primeiro passo é agir de modo que elas descubram as suas próprias motivações para ler, quer sejam conscientes quer permaneçam sobretudo inconscientes.” Acrescenta, “a maior parte das crianças ignora que existem livros que se dirigem a elas de forma tão íntima.” É por esta razão que o professor bibliotecário deverá ser conhecedor das estantes da sua biblioteca, das novidades editoriais, dos gostos dos alunos, deverá ser leitor para melhor dar a ler.
Guia Experimental para a Leitura em Voz Alta[iv] é simultaneamente um guia e um convite. Um guia, pois ajuda a melhorar a técnica de ler em voz alta, através de muitas sugestões e propostas de exercícios, e orienta na descoberta de novas rotas que nos conduzem aos benefícios da leitura em voz alta. Neste guia, o leitor é conduzido pela voz de alguns dos mais reconhecidos poetas, atores, mediadores de leitura, contadores de histórias e mestres da palavra dita. Pode-se ouvir a forma brilhante como leem, uma vez que o livro é acompanhado por CD convidando o leitor a “entrar criativamente no jogo da leitura partilhada”. Ler também é ouvir e o gosto pela leitura ensina que um bom leitor sabe escutar. Quem ouve lê noutro formato. O ouvinte é simultaneamente leitor. A escuta amplia a descoberta de autores, palavras, textos e livros. Um convite a experimentar a ler em voz alta, a descobrir textos para serem lidos em voz alta.
Já experimentou?
Já recomendou um livro para ler em voz alta?
Já organizou atividades de leitura em voz alta, na biblioteca?
Este belíssimo livro pode ser muito inspirador!
Notas:
[i] Em Portugal é editado pela Faktoria K de Livros, em 2020 (originalmente o livro é publico em 2014, em França, pelas Editions Belin/ Humensis.
[ii]Michèle Petit é antropóloga de formação e investigadora do Laboratório de Dinâmicas Sociais e Recomposição dos Espaços, do Centre National de la Recherche Scientifique, na França, e desde 2004 coordena um programa internacional sobre "a leitura em espaços de crise”. Quem acompanha as dinâmicas e problemáticas da leitura, quem reflete sobre a importância da palavra e dos livros nas crianças e jovens conhece bem o seu trabalho e a sua obra publicada.
[iii]Christian Poslaniec é um escritor francês especializado em literatura infantil e juvenil, criador de ferramentas para a aprendizagem e gosto pela leitura. Nessa qualidade, foi investigador do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INRP) de 1984 a 2003, onde criou um grupo de interesse científico que organizou formações e refletiu sobre a promoção da leitura junto dos jovens.
[iv]Guia Experimental para a Leitura em Voz Alta resulta de uma feliz parceria entre a Câmara Municipal da Sertã, organizadora da Maratona de Leitura, com a editora BOCA, em prol da leitura em voz alta e numa delicada e sentida homenagem à língua portuguesa.