A Rede de Bibliotecas de Torres Vedras define-se como uma estrutura de cooperação aberta a todas as bibliotecas do concelho de Torres Vedras. A sustentabilidade desta Rede é garantida pelo Município de Torres Vedras e pela Rede Bibliotecas Escolares. A sua missão passa por promover o desenvolvimento de serviços/projetos/atividades concertadas, mediante uma estratégia de rentabilização e de partilha de recursos, e trabalho colaborativo entre Bibliotecas Escolares e Biblioteca Municipal. Constitui-se atualmente como um dos parceiros principais do Plano Local de Leitura de Torres Vedras | 2020-27.
Os principais objetivos desta Rede são: a construção e manutenção do catálogo coletivo online concelhio, que integra as bases bibliográficas das 28 bibliotecas, disponível a partir do portal, permitindo um rápido e eficaz acesso aos recursos documentais existentes no concelho e uma gestão coordenada de aquisições, bem como a promoção e divulgação de dinâmicas consolidadas de trabalho colaborativo, visando o desenvolvimento de competências no domínio de diversas literacias, quer da comunidade escolar, quer da comunidade em geral.
Destas dinâmicas salientamos:
» o desenvolvimento de ações de formação para docentes e não docentes, relacionadas com a promoção do livro, escrita, tecnologias digitais, artes e competências profissionais biblioteconómicas, fomentando a aprendizagem formal e não formal dos recursos humanos afetos a esta rede;
» a partilha regular de boas práticas de promoção da leitura, escrita e outras literacias entre o grupo de profissionais da Rede, através de reuniões mensais promovidas pela coordenadora interconcelhia da RBE, e realizadas pelas equipas das bibliotecas escolares e biblioteca municipal, testadas no universo das escolas/agrupamentos de Torres Vedras.
» o fomento de ações de diversa índole que envolvam toda a escola, mas também a comunidade onde estão inseridas: empréstimo de documentos, dinamização do acervo documental, horas do conto, concursos de leitura, exposições, mostras documentais, desafios literários, visitas guiadas aos espaços das bibliotecas, encontros com escritores, ilustradores e artistas, oficinas de escrita criativa e competências digitais, projetos intergeracionais, projetos interdisciplinares onde a leitura e literatura se relacionam com a ciência, o ambiente ou as artes.
Para cumprir esta missão e objetivos, foi necessário, ao longo dos 18 anos de existência desta rede, cimentar o espírito de partilha do conhecimento, de entreajuda, resiliência aos obstáculos, tolerância, disponibilidade total para dar e receber, um fazer acontecer diário de todos os profissionais desta Rede, que contribuíram e contribuem para fazer diferente e melhor todos os dias.
São precisos bons seres humanos para construir boas redes de trabalho, que consigam não só elevar-se enquanto técnicos competentes, mas também criar relações de afeto entre eles e junto das suas comunidades, e, desta forma, atingir os seus objetivos últimos: aumentar o gosto pela leitura, escrita e outras literacias, mas também educar e sensibilizar para a cultura e criar curiosidade sobre tudo o que nos rodeia e somos, enquanto espécie inteligente neste planeta.
Eis a nossa Rede Bibliotecas de Torres Vedras em números:
Goretti Cascalheira Bibliotecária Municipal Biblioteca Municipal de Torres Vedras
A 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP27, realizada no Egito (Sharm El Sheikh), entre 6 e 20 novembro de 2022, aprovou um Plano de Ação para o Empoderamento Climático (Action for Climate Empowerment – ACE) [2] que reforça o papel da educação, dos direitos humanos e da cultura e pode constituir uma oportunidade para as bibliotecas alargarem as suas responsabilidades e visibilidade no setor do clima.
Apresentamos 3 razões que justificam esta ideia.
1. Educação promotora da mudança
O documento-chave da Conferência, Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh [3], reforça “a importância de prosseguir uma abordagem à educação que promova uma mudança nos estilos de vida, promovendo ao mesmo tempo padrões de desenvolvimento e de sustentabilidade baseados no cuidado, na comunidade e na cooperação”.
Desenvolver o empoderamento para a ação climática, por via da educação e formação ao longo da vida, é a estratégia mais eficaz para alcançar uma mudança de atitude por parte de toda a sociedade, incluindo crianças e jovens, os mais afetados.
Não obstante o valor da educação para a consciencialização crítica sobre o problema, na COP 26, em Glasgow, a UNESCO divulgou os resultados de um estudo que realizou, com base na análise dos currículos de 100 países, do qual concluiu que “apenas metade dos currículos nacionais do mundo fazem referência às mudanças climáticas” e quando o tema é mencionado “quase sempre é-lhe dado uma prioridade muito baixa” [4].
Esta lacuna estrutural de conhecimento e capacitação no setor da educação pode ser preenchida pelas bibliotecas que têm um perfil mais flexível e interdisciplinar e podem disponibilizar informação e dados diversos, relevantes e confiáveis e dinamizar ações de capacitação nas áreas da literacia da informação e media e da leitura, permitindo aos utilizadores identificar informação falsa sobre a crise climática e mobilizarem-se para, localmente, se envolverem e tomarem decisões sustentáveis.
Segundo as Nações Unidas, o Empoderamento para a Ação Climática deve desenvolver-se em 6 áreas: educação, sensibilização do público, participação do público, acesso a informação pública e cooperação internacional [1].
A abordagem das questões climáticas com a biblioteca pode ser informal e colaborativa, por exemplo, a partir de jogos de cartas. Cartas contra o Planeta inclui cartas e regras que podem ser descarregadas livremente e foca-se em causas e efeitos de desastres climáticos, cujo significado, formas de proteção e prevenção as crianças e jovens podem explicar e discutir entre si.
Outros tópicos de diálogo e mobilização são:
Quais são as principais causas das mudanças climáticas?
Qual é o impacto do clima nos direitos humanos?
Que ameaças ambientais afetam o local onde vives?
2. Medidas inclusivas e que respeitem os limites do planeta
Tanto o Plano de Implementação[3]como o Plano de Ação [2] da COP 27 destacam na Ação para o Empoderamento Climático duas vertentes: humanista e sustentável, devendo as medidas adotadas, pelos 190 países representados na Conferência, contribuir para “não deixar ninguém para trás” e para criar padrões de consumo e de produção compatíveis com os limites do planeta.
Nas palavras do documento:
“as Partes devem respeitar, promover e considerar as respetivas obrigações em matéria de direitos humanos: direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável [adotado, a 8 de outubro de 2021, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU]; direito à saúde; direitos dos povos indígenas, das comunidades locais, dos migrantes, das crianças, das pessoas com deficiência e em situações vulneráveis e o direito ao desenvolvimento, bem como à igualdade de género, ao empoderamento das mulheres e à equidade intergeracional”.
A IFLA considera que as bibliotecas são parceiras nas 6 áreas de capacitação para a ação climática e sublinha que esta abordagem baseada em direitos reforça os direitos à informação, cultura, liberdade de expressão e ação climática, indo ao encontro da visão e trabalho desenvolvido pelas bibliotecas que são sítios seguros para todos os utilizadores, especialmente as crianças e jovens, desenvolverem um ponto de vista crítico, falarem e exprimirem os seus pontos de vista sobre as questões climáticas [5].
3. Ligação entre crise climática e património cultural
Do acordo global da COP 27 faz parte o reconhecimento, pela primeira vez, da ligação entre crise climática e património cultural, do qual resulta a criação de um Fundo de Perdas e Danos (ponto VI. Loss and damage do Plano de Implementação) [3] que deverá cobrir os efeitos imediatos e devastadores do clima no património cultural, constituindo uma medida de justiça climática.
Neste contexto, a COP 27
“regista com grande preocupação […] a crescente gravidade, âmbito e frequência, em todas as regiões, de perdas e danos associados aos efeitos adversos das alterações climáticas, resultando em devastadoras perdas económicas e não económicas, incluindo deslocações forçadas e impactos no património cultural, na mobilidade humana e nas vidas e meios de subsistência das comunidades locais e sublinha a importância de uma resposta adequada e eficaz às perdas e danos” [3].
A Cimeira do Clima reconhece ainda que o Fundo deverá ser aplicado sobretudo nos países em desenvolvimento, do Sul, que sendo os que menos contribuíram, mais sofrem os efeitos da crise climática.
Por estas razões a Rede de Património Climático, de que a IFLA é membro fundador, considera que esta é uma decisão “histórica” [6].
Outro aspeto relevante da Conferência é a sua abordagem e estrutura holística e intersectorial. Ao nível do tema da conferência, que visa “garantir a integridade de todos os ecossistemas, inclusive das florestas, do oceano e da criosfera e da proteção da biodiversidade, reconhecida por algumas culturas como Mãe Terra”, reunindo especialistas de todas estas áreas. Também ao nível das quatro prioridades do Plano de Ação [2] que definem uma estrutura comum para responder a um problema transfronteiriço, da humanidade, como é o do clima e ecossistemas:
A. Coerência das políticas (nos múltiplos setores, estratégias e processos da comunidade internacional e nacional);
B. Ação coordenada (internacional, multinível, intergeracional e que reúne diferentes competências, recursos, conhecimentos);
C. Ferramentas e apoio (para capacitação e sensibilização de Pontos Focais Nacionais [representantes/ responsáveis por implementar e monitorizar a implementação da ACE);
D. Monitorização, avaliação e relatórios.
Na biblioteca escolar:
- O edifício e gestão é compatível com uma política de redução da produção de resíduos?
- O plano de atividades, a oferta de serviços e a coleção refletem preocupações ambientais?
- Crianças e jovens estão envolvidos no processo de observação dos problemas locais, de escuta de soluções, de planeamento, de intervenção e de monitorização dos desafios e progressos?
Referências
1. United Nations. (2022, Nov.). Action for Climate Empowerment. UN. New York. https://unfccc.int/ace
Com chancela da Booksmile, A FAMÍLIA MONSTRO é uma nova coleção infantojuvenil 100% portuguesa, escrita por Bruno Matos e ilustrada por Raquel Carrilho. Conversámos com ambos sobre o universo destas histórias «monstruosamente divertidas», com personagens inspiradas em heróis clássicos e mitológicos, e cuja ação decorre em Monstrópolis, «um espelho do nosso mundo, polvilhado com monstros e magia».
Qual é o vosso percurso na área da escrita e da ilustração?
(Bruno Matos) Sempre fui apaixonado por criar histórias, começando por fazer banda desenhada ainda antes de saber ler e escrever, mas foram obras como O Senhor dos Anéis e principalmente os primeiros livros do Harry Potter (antes de se tornar num fenómeno global) que me levaram a experimentar a escrita. Publiquei o meu primeiro romance infantojuvenil em 2001 e mantenho um webcomic com um super-herói português, o Lusitano.
(Raquel Carrilho) Comecei a desenhar muito cedo e a tirar ideias daquilo que via à minha volta, inclusivamente dos desenhos animados, que aliás ainda são uma grande influência em tudo o que faço. A verdade é que nunca pensei que viria a fazer isto profissionalmente (era uma nódoa a E.V.T. e E.V.!), por isso nunca procurei formação específica na área. À medida que ganhava mais referências, perdia medos e fazia experiências, fui melhorando ao longo dos anos até chegar ao ponto em que estou hoje. É verdade que ainda tenho muito para aprender, mas estou determinada a nunca deixar de o fazer.
Como nasceu a ideia da Família Monstro? Onde foram buscar inspiração?
(BM) Coleções como Os Cinco, Os Sete, Uma Aventura e Viagens no Tempo acompanharam o meu crescimento. Por outro lado, adoro livros de fantasia e de ficção científica. Quando a Booksmile me desafiou a criar uma nova coleção, tentei juntar todas essas influências num universo que fosse divertido, desafiante e, principalmente, original.
(RC) Quando me tornei parte do projeto, já a ideia e as personagens estavam bem definidas, por isso não posso dizer grande coisa a esse respeito. Quanto à parte que me toca, a do design dos personagens em particular, fui à procura de representações diferentes dos monstros essenciais de Halloween. Desde os filmes clássicos da Universal, até Scooby-Doo e Monster High, tentei pegar em vários elementos, criar a minha versão, e adaptá-los àquilo que o Bruno já tinha como base. Uma série que me tem surgido várias vezes na cabeça quando desenho é Courage the Cowardly Dog, que repetiu no Cartoon Network até… 2010, se não me engano? Adiante, tinha um ambiente surreal e tresloucado que acho que combina bem com uma história sobre monstros.
Qual é a vossa personagem favorita?
(BM) É difícil escolher uma porque cada personagem tem caraterísticas específicas que por si só já fazem dela um monstro especial, mas que, combinadas com os outros, formam uma família unida. Mas suspeito que o Flic vai ser um favorito dos leitores…
(RC) Acho que diria a Mizé. É divertida de se desenhar e faz-me lembrar as protagonistas de anime de raparigas mágicas, até no pormenor de de repente se ter de adaptar a um mundo diferente do que ela conhece.
Acham que as crianças se vão identificar com estas histórias? Porquê?
(BM) Monstrópolis tem muitas semelhanças com o nosso mundo e está à distância de um portal. As personagens enfrentam os mesmos dilemas dos leitores, usam a mesma tecnologia e partilham sentimentos semelhantes. É um espelho do mundo que conhecem, mas polvilhado com monstros e magia que lhes permite imaginar-se numa realidade diferente.
(RC) Acho que sim. Quando eu era pequena, tinha um medo desgraçado de monstros e afins, por isso infelizmente não posso dizer que teria sido a audiência ideal para esta coleção. Mas também sei que há muitos miúdos que não são como eu era, e que de certeza que vão gostar da variedade de personagens, sejam eles monstros ou não (as personagens, não os miúdos).
De que forma os pais e os professores podem pegar nesta coleção para ler com os filhos e alunos? Tem uma vertente pedagógica?
(BM) Para além dos muitos temas atuais retratados, multiplicam-se as referências a monstros clássicos e figuras mitológicas. Numa leitura partilhada, os leitores poderão estar a conhecê-los pela primeira vez enquanto para os pais será um revisitar de personagens que fazem parte do seu imaginário. Ao nível da escrita, tento incluir palavras menos usadas para ajudar a alargar o léxico dos leitores e, na secção final de cada obra, tivemos o cuidado de acrescentar material pedagógico como sugestões de leitura, curiosidades sobre livros e uma diversidade de atividades que contribuem para o desenvolvimento intelectual do leitor e estimulam a criatividade.
(RC) Dado o meu viés para a animação, e daí para dobragens/voice over, eu diria que uma boa forma de tornar a leitura divertida seria fazer várias vozes diferentes para os personagens, ou, tendo as crianças já idade para ler, distribuir personagens entre elas, os pais e/ou professores. Fazer como se fosse uma espécie de teatro com narrador!
Esta família parece escapar ao modelo da família tradicional. Houve alguma intenção de mostrar diversidade e representatividade?
(BM) Quando nos lembramos dos protagonistas nos livros juvenis, grande parte são amigos ou familiares (irmãos ou primos) e os pais não têm influência no decorrer da aventura. Seguindo o princípio de querer fazer algo original, lembrei-me de homenagear as famílias de acolhimento, pelo amor que dão a crianças que recebem de diferentes realidades. Também a Mamã Ogre acolhe monstros com origens díspares, formando uma família ligada exclusivamente por um amor altruísta onde ela não se limita a um papel secundário, contribuindo para o desenvolvimento e crescimento dos “filhos”.+
(RC) Acho que era isso que o Bruno tinha em mente, sim. Pelo menos na parte do desenho, tentei fazer com que as personagens parecessem distintas para enfatizar essa ideia. Digamos que, dado que estamos a falar sobre monstros, que já por si aparecem em todo o tipo de formas e feitios por esse mundo fora (tal como as pessoas!), acabou por não ser muito difícil.
Como é que autor e ilustradora articulam a colaboração? Quais os métodos de trabalho?
(BM) Com o meu historial na banda desenhada, é normal que visualize os personagens ao detalhe, mas embora tenha feito algumas sugestões sobre os protagonistas, era vital deixar a imaginação da Raquel livre para conceber o universo de Monstrópolis sem qualquer interferência, e o seu estilo de desenho traduz bem a minha visão de Monstrópolis.
(RC) Pode parecer estranho, mas eu e o Bruno não contactamos um com o outro com muita frequência. Aquilo que eu faço é ler o texto do Bruno e tento interpretá-lo daquela que me parece ser a melhor maneira. Até agora tem dado resultado!
por Ana Eustáquio, professora bibliotecária da ES Damião de Goes, Alenquer
Escrevo, num dia de chuva, sobre a biblioteca da escola onde exerço funções de professora bibliotecária há cinco anos, com muito gosto, apesar das eventuais escolhas, ou não tivesse assumido o cargo em nome da fugidia criatividade docente e do amor aos livros. A cor-base desta biblioteca é o azul, presente na parede lateral da sala de entrada, no pilar que separa esta sala da zona dos computadores e do trabalho de grupo, nas cadeiras, nas pernas das mesas, nos varões laterais das estantes que se dispersam pelas duas salas seguintes e nos placards de exposição. Alguns dirão que o azul-ferrete predomina, mas na verdade é o “azul do nada/com que se fazem os deuses e a poesia”[2] que se manifesta. Sim, porque o espaço e as suas características físicas são intrínsecos ao movimento que reúne corpos, objetos, livros, emoções, pensamentos, ideias, virtualidades e pessoas, como a requalificação recente da nossa biblioteca evidenciou.
Nas arrumações e desarrumações que temos encetado, destaco a vida que tem sido insuflada à nossa coleção. As tentativas de organizar o caos e de criar fios orientadores de quem é convidado a entrar no labirinto, os alunos, em primeiro lugar, têm permitido ir além da tranquilidade da CDU. As exposições temporárias que organizamos, o Clube de Leitura e outras formas de socialização da leitura promovem novos encontros enriquecedores entre os livros e os seus jovens leitores, que também colaboram na renovação da coleção, dando sugestões de aquisição e participando nas atividades ou, tão-só, usufruindo de tudo o que se lhes oferece, aprendendo, ainda que de maneira não formal. Já organizámos mostras de livros antigos da coleção, oriundos das escolas que antecederam a atual e da qual esta é herdeira, de livros proibidos ou de defesa da cultura e da liberdade – As Novas Cartas Portuguesas e a Coleção Cosmos –; destacamos regularmente as novidades, incluindo obras da chamada young adult literature, ou livros relacionados com datas significativas, por exemplo com o Centenário de José Saramago ou os Direitos Humanos. Assim, paulatinamente, vamos construindo uma identidade racional e afetiva da biblioteca, dentro desse espaço mais alargado que é a escola, feita de diálogos profícuos entre tempos, indivíduos e culturas diferentes, mediados pelos livros.
Poderia, claro está, referir muitas outras ações e atividades em que a biblioteca participa ou organiza, sob supervisão da professora bibliotecária, quer no cumprimento dos planos de melhoria e das orientações da RBE, quer na colaboração no contexto da vida escolar, todavia quis assinalar a relevância que a promoção da leitura continua a ter na ação da biblioteca escolar, considerando o papel tradicional da escola na formação de cidadãos livres e acreditando que a leitura é uma via para a liberdade e a felicidade, tão misteriosa como o amor e tão perturbadora que, como nos lembra Alberto Manguel, é perseguida por todas as formas de totalitarismo:
Claro que a literatura talvez não seja capaz de salvar ninguém da injustiça, nem das tentações da cobiça, nem das misérias do poder. Mas algo nela tem de ser perigosamente eficaz, se todos os ditadores, todos os governos totalitários, todos os funcionários ameaçados tentam livrar-se dela, queimando livros, proibindo livros, censurando livros, tributando livros, defendendo com palavras ocas a causa da literacia, insinuando que ler é uma atividade elitista.[3]
Ana Eustáquio Professora bibliotecária Escola Secundária Damião de Goes, Alenquer 13/12/2022
Notas
[1] Esta expressão descreve a Biblioteca de Alexandria, de acordo com Charles Kingsley, citado por Alberto Manguel: “Ali se erguia, maravilha do mundo, o seu telhado branco e cintilando contra o azul sem chuva e, além, entre os cumes e frontões de edifícios nobres, vista aberta sobre o azul brilhante do mar.” In Alberto Manguel. (2018). Embalando a minha Biblioteca. Lisboa: Tinta da China. p. 34.
[2] Cf. “Reabre o céu depois de uma chuvada/ no azul do dia./ É o azul do nada/ com que se fazem os deuses e a poesia.” In Vergílio Ferreira. (s.d.). Uma Esplanada sobre o Mar. Lisboa: Difel. p. 19.
[3] Alberto Manguel. (2018). Embalando a minha Biblioteca. Lisboa: Tinta da China. p. 132.
1. *Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
2. Esta rubrica visa apresentar apontamentos breves do quotidiano dos professores bibliotecários, sem qualquer preocupação cronológica, científica ou outra. Trata-se simplesmente da partilha informal de vivências.
3. Se é professor bibliotecário e gostaria de partilhar um “retalho”, poderá fazê-lo, submetendo este formulário.
Leia outros artigos da rubrica “Retalhos da vida de um professor bibliotecário”
A literatura tem o poder de tocar o coração, a consciência e a vontade do ser humano
O Antropoceno, termo cunhado por Paul Crutzen e Eugene Stoermer (2020), marca uma mudança abrupta e irreversível na rede de vida natural de que o ser humano é parte.
Corresponde à era dos humanos, marcada pelo aquecimento global, poluição atmosférica, contaminação da água e acidificação dos oceanos e extinção de espécies de seres vivos, numa escala sem precedentes que agravará as desigualdades sociais e colocará em perigo a sobrevivência do ser humano na Terra.
O século XX e XXI produziu a clivagem ser humano - natureza, mas não conseguiu criar a mudança de mentalidade necessária para responder aos seus efeitos.
Relatórios científicos, como os da Plataforma de Política Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos das Nações Unidas, informam e alertam para o perigo crescente de futuras doenças e pandemias, mais mortíferas que a Covid-19, derivadas da destruição do sistema terrestre e da globalização.
Não obstante a sua gravidade, as evidências e previsões científicas não têm sido suficientes para gerar a mudança do sistema político e económico de consumo, tributação e saúde.
É necessária a ação dos cidadãos, destacando-se o movimento cívico das crianças e jovens que, há poucos anos, conseguiu colocar na agenda política mundial as questões climáticas e ambientais, embora com reduzidas consequências práticas.
A cultura e as artes, designadamente a literatura, também têm um papel a desempenhar nesta mudança porque têm o poder de tocar fundo no coração, consciência e vontade do ser humano, suscitando o questionamento e a reflexão e impulsionando vozes e caminhos de reparação.
Neste contexto, durante as comemorações do Centenário de José Saramago, a Rede de Bibliotecas Escolares apresentou para publicação na Revista de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - número de dezembro de 2022, dedicado ao Centenário de nascimento de José Saramago (1922-2022 - o artigo, que pode ser lido na fonte [1].
Porquê o livro As Pequenas Memórias?
José Saramago é lido e trabalhado com todas as bibliotecas escolares, pela profundidade e universalidade de ideias e sentimentos expressos nos seus textos e porque, através deles, eleva, expande e imortaliza a língua portuguesa.
Por entre a sua vasta obra, As pequenas memórias [2] são um livro autobiográfico que pode ser lido com diversos leitores de diversos níveis de maturidade e que pode constituir uma primeira aproximação à literatura.
Possibilita ainda uma abordagem interdisciplinar que articula Humanidades, Ciências, Economia e Educação para a Cidadania, conforme se compreende pela estrutura do referido artigo:
1. Nova abordagem dos direitos humanos
2. Nova abordagem do sensível
3. A sabedoria de quem vive – e morre – humanamente
4. O desligamento do sensível e a perda de humanidade
5. Mudar tudo
A Cátedra José Saramago em Portugal
A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em ligação à Fundação José Saramago e à Livraria Lello, criou, a 5 de novembro de 2021, a primeira - e única, em território nacional - Cátedra José Saramago.
Segundo o convénio da sua constituição, é “um espaço de pensamento, diálogo e realização conjunta e participada de atividades, que tem como ponto de partida o estudo e a divulgação da língua, da literatura e da cultura portuguesas”, a partir da obra do Nobel da Literatura [3].
José Saramago “Não foi à Universidade nunca” e “viveu toda a vida com a mágoa de não ter ido à Universidade”, apesar do valor dos seus textos para os estudos académicos de universidades em todo o mundo e para a memória coletiva, sublinha Pilar del Rio na cerimónia de constituição da Cátedra [4].
A Cátedra visa a valorização e o crescimento sustentável da paisagem, das pessoas e das atividades económicas e culturais da região, bem como o envolvimento da “comunidade adulta como dos mais jovens e das crianças, das famílias, das escolas e das autarquias”, nas palavras do Reitor da UTAD, Emídio Gomes [5].
Carlos Nogueira, editor da Revista de Letras da Universidade e elemento de ligação à Rede de Bibliotecas Escolares, é regente desta Cátedra e diretor científico da Cátedra José Saramago da Universidade de Vigo (Espanha), bem como vencedor do Prémio Vergílio Ferreira 2022 com a obra José Saramago: a Literatura e o Mal e do Prémio Jacinto do Prado Coelho 2019 com o livro Resposta a Ítalo Calvino: Clássicos da Literatura, editado pela Livraria Lello.
Silva, Liliana [Rede de Bibliotecas Escolares]. “Onde se irão meter os lagartos? Uma abordagem ecológica d’As pequenas memórias”, in: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. (2022, dez.). Revista de Letras: Centenário de J. Saramago [série III, n.º 5, pp. 69-78]. Vila Real: UTAD. https://revistadeletras.utad.pt/index.php/revistadeletras/article/view/306/153
O desafio HISTÓRIAS ZIGZÁSTICAS foi um desafio de colaboração entre a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE) e o ZIG ZAG | RTP.
O júri, composto por elementos da RBE e da RTP, selecionou cinco histórias para fazerem parte de um programa de contos do Zig Zag | RTP2.
As histórias selecionadas, em parceria entre as duas entidades, foram agora lançadas, durante o mês de dezembro. Ouça aqui as Histórias Zigzásticas criadas em estreita articulação entre alunos e a Biblioteca Escolar:
Episódio 3 | 07-12-2022: A Magia Transformadora Agrupamento de Escolas Cardoso Lopes – Amadora
Episódio 8 | 14-12-2022: A Máquina do Tempo Agrupamento de Escolas de Póvoa de Lanhoso - Póvoa de Lanhoso
Episódio 11 | 19-12-2022: História Bibliolouca Agrupamento de Escolas João da Silva Correia - São João da Madeira
Episódio 13 | 21-12-2022: A Fórmula da Paz Agrupamento de Escolas D. João II – Sintra
Episódio 18 | 28-12-2022: A Biblioteca das histórias sem fim Agrupamento de Escolas Linda-a-Velha e Queijas – Oeiras
Uma das ações do PADDE da ES Adolfo Portela, em Águeda, com a colaboração da biblioteca
Na Escola Secundária Adolfo Portela, em Águeda, uma das ações previstas no Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital da Escola – Colaboração entre pares no Digital - conta com a colaboração da biblioteca escolar.
Um dos desafios do ensino continua a ser, ontem como hoje, motivar todos os alunos para realizarem as aprendizagens, de forma mais ativa e participada. O Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital da Escola (PADDE) proporcionou às escolas uma reflexão sobre as suas práticas e a delineação de um projeto adequado à escola que temos e a que queremos.
O uso das ferramentas digitais com fins pedagógicos pode ser um caminho eficaz para a criação de ambientes que favoreçam o envolvimento dos alunos em aprendizagens mais significativas e mais inclusivas. Isto é, contribuem para melhor conhecerem, melhor fazerem, melhor colaborarem, ao mesmo tempo que promovem o desenvolvimento de competências digitais e de autonomia na aprendizagem, tornando os alunos mais autónomos, mais críticos e mais criativos, tal como preconiza o Perfil dos Alunos À Saída da Escolaridade Obrigatória.
Agora que grande parte dos alunos já tem consigo o computador, ferramenta de trabalho para ser usada em casa e na aula, que permite o acesso a conteúdos mais interativos, como fazer para os levar a envolverem-se, de modo mais dinâmico, com estes recursos e entre si?
Depois da pandemia, não podíamos voltar a fazer exatamente como antes, com as práticas de sempre, como se nada tivesse acontecido e mudado. Tínhamos formado alunos no uso do digital, num contexto extremo e pensámos que seria uma pena desaproveitar o saber adquirido.
O que tínhamos pensado fazer?
Delinear um projeto em que os alunos seriam formadores e partilhariam as suas experiências com o digital para ensinar conteúdos por eles já interiorizados, trabalhando com ferramentas/ aplicações divulgadas e promovidas pela biblioteca escolar (as que mais tinham sido usadas por eles e as que melhores resultados tinham produzido).
Pareceu-nos que uma estratégia amigável poderia ser a colaboração entre os pares. E se os alunos do 8º ano fossem às turmas do 7º ano partilhar as suas experiências com o uso do digital, do ano anterior? E assim aconteceu: o 8 foi ao 7.
A biblioteca escolar seria o elo privilegiado de mediação entre o conteúdo a ser abordado e a melhor forma de o fazer, tendo em mente os seguintes propósitos:
- Fomentar o trabalho colaborativo, a formação interpares.
- Criar momentos de divulgação de práticas, de alunos para alunos, em sala de aula (formação interpares).
- Fomentar o uso de metodologias ativas, com recurso ao digital em sala de aula, biblioteca escolar, e/ou casa.
- Potenciar o desenvolvimento de competências digitais, colaborativas, comunicativas e de cidadania.
O que já fizemos?
A biblioteca escolar dinamizou sessões regulares de trabalho com os alunos do 8.º ano, que revisitaram ferramentas e aplicações, e, posteriormente, motivaram, explicaram, exemplificaram e interagiram com os colegas do 7ºano, incentivando o seu uso, nomeadamente as que se encontram ao serviço das apresentações de trabalhos e da melhoria das aprendizagens: Wordart, Genially, Sopa de Letras / Palavras Cruzadas, Mindomo, Canva.
Fizeram-no de forma exemplar, com uma mensagem clara e objetiva, captando o interesse dos colegas e envolvendo-os nas atividades. Na avaliação realizada, os alunos do 7.º ano enalteceram não só o trabalho desenvolvido pelos seus pares, como também despertaram para a utilidade das ferramentas digitais, tendo ficado muito motivados para as usar e explorar outras. São esses mesmos alunos, agora no 8ºano, a pedir para, por sua vez, serem formadores e irem às novas turmas do 7ºano.
O que (ainda) não conseguimos fazer?
Apesar do trabalho já feito, a escola precisa de investir numa estratégia digital estruturada em que todos se revejam, que potencie a exploração e o uso das tecnologias digitais ao serviço de um ensino de qualidade e de aprendizagens eficazes. Falta-nos ultrapassar um sentimento de desconfiança e de insegurança, por parte dos professores, quando colocados na posição de orientadores e não na posição de agentes responsáveis por todo o processo de ensino e aprendizagem.
A biblioteca escolar apoia e incentiva, de igual modo, os professores a promoverem Ambientes Educativos Inovadores, encontrando-se sempre disponível para fomentar novas práticas e divulgá-los nas suas Newsletters.
O próximo passo?
Criar um reportório de recursos criados na escola, por alunos e por professores, por forma a que possam ser utilizados por todos.
Regina Gaspar Professora Bibliotecária ES Adolfo Portela, Águeda