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Blogue RBE

Seg | 12.12.22

Medalha de prata para Regina Campos!

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A Câmara Municipal de Braga atribuiu, no dia 4 de Dezembro, uma medalha de Grau Prata à Coordenadora Interconcelhia da Rede de Bibliotecas Escolares e professora bibliotecária, Regina Campos. A cerimónia decorreu no Theatro Circo, no âmbito das comemorações do Dia de S. Geraldo, padroeiro da Cidade de Braga.

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A atribuição desta medalha prova o reconhecimento público da qualidade do trabalho que tem vindo a ser realizado, há quase duas décadas, por este elemento da Equipa RBE, que não olha a esforços para melhorar a ação das bibliotecas do seu território (além de Braga, Boticas, Montalegre, Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho). Permanentemente, a sua intervenção tem ajudado a trazer as bibliotecas escolares para o centro da vida das suas escolas, contribuindo para que estas sejam verdeiros motores de transformação nas suas comunidades, constituindo-se, ela própria, enquanto professora bibliotecária, como uma referência para os seus pares.

Destaca-se igualmente o trabalho de articulação permanente com as bibliotecas públicas dos concelhos que acompanha, assim como com os respetivos executivos municipais, com quem dialoga em contínuo. Esta articulação é visível também no trabalho com outros parceiros das comunidades, designadamente, ensino superior, centros de formação, museus e outros, o qual tem contribuído para colocar as bibliotecas escolares na agenda, sempre que se pensam questões relacionadas com a educação.

Esta homenagem revela, ainda, o grande valor que a autarquia de Braga confere às bibliotecas escolares e ao que elas representam para o sucesso dos seus jovens munícipes.

As medalhas de mérito municipais foram atribuídas a várias entidades e personalidades que se notabilizaram pelos seus feitos cívicos ou méritos pessoais, pelo que para a Rede de bibliotecas Escolares se congratula por ver reconhecida uma dos seus.

Parabéns, Regina!

 

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Este trabalho está licenciado sob licença: CC BY-NC-SA 4.0

Sex | 09.12.22

Aos que habitam as bibliotecas

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Geralmente humanizamos os espaços que habitamos, conferimos-lhes uma certa cor, uma luz própria e às vezes uma parte daquilo que somos. Quando estamos num espaço privado tudo é mais fácil e confortável, mas, por exemplo, quando se trata de uma biblioteca, sendo um espaço público e com características bem específicas, a tarefa é mais complexa e ganha outras nuances. Se acrescentarmos o facto de ser uma biblioteca escolar, bem… as coisas complicam-se.  

Este introito é uma homenagem às pessoas que habitam e cuidam das bibliotecas durante anos a fio, às pessoas que se adaptaram a mudanças radicais, na forma, no conceito e no uso que delas se faz. Do lugar algo bafiento e austero de há 30 ou 40 anos, as bibliotecas são hoje um lugar de encontro, um open space onde acontece todo o tipo de iniciativas. Um verdadeiro espaço de cultura, no sentido mais lato e democrático do termo. 

As bibliotecas são espaços complexos e habitados provisoriamente pelo mais variado tipo de pessoas, sendo uma biblioteca escolar, a maioria das vezes, por alunos e alguns professores. Os professores bibliotecários e as suas equipas vão e vêm ao sabor das nomeações, dos interesses, ou da carreira de cada um. No vaivém, muitas vezes, acontece ser o Auxiliar de Ação Educativa o mais perene neste lugar de entradas e saídas. Este, com o tempo, especializa-se, conhece os cantos à casa, sabe exatamente onde está cada uma das obras espalhadas pelas estantes, conhece os alunos pelos seus nomes, as manhãs e as manias. Por vezes, faz mesmo o papel do psicólogo ou psicanalista, onde os alunos vêm confessar as suas alegrias, as suas mágoas, os seus amores ou, mais tarde, voltam para falar do seu sucesso e de como aquele espaço e as pessoas que permanentemente o habitam foram importantes nas suas vidas. Os permanentes passam a gerir o espaço com a autoridade daqueles que durante anos entregaram parte da sua vida, do seu amor, ao lugar e às pessoas que por ali passaram, num permanente vaivém. 

Este texto é uma homenagem a uma dessas pessoas, a D. Isabel Lopes, pelos seus 41 anos de dedicação à Biblioteca da Escola Secundária do AEJAC - Agrupamento de Escolas João de Araújo Correia, em Peso da Régua.

Isabelinha, em nome de toda a Equipa das Bibliotecas Escolares, o nosso muito obrigado pela entrega a esta causa maior.

José Artur Matos, Professor Bibliotecário
AE João de Araújo Correia
Escola Secundária João de Araújo Correia

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Qua | 07.12.22

Desafios-chave para a Inteligência Artificial na Educação

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Recentemente, o Conselho da Europa divulgou o relatório ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND EDUCATION A critical view through the lens of human rights, democracy and the rule of law, um estudo onde são examinadas as ligações entre a inteligência artificial (IA) e a educação (ED). Com o objetivo de fornecer uma visão holística que ajude a assegurar que a IA empodere e não sobrecarregue educadores e alunos, e que os futuros desenvolvimentos e práticas sejam genuinamente para o bem comum, o estudo está organizado em quatro partes:

1. IA&ED

2. Desafios-chave para a AI&ED

3. IA&ED e os valores fundamentais do Conselho da Europa

4. Desafios, oportunidades e implicações da AI&ED

Dedicamos já a nossa atenção à parte I (As ligações entre a Inteligência Artificial e a Educação (IA&ED)). No presente artigo, atentaremos a um conjunto de desafios que se colocam à utilização da Inteligência Artificial na educação.

 

A Inteligência Artificial e os alunos

Pedagogia - Apesar de utilizarem tecnologias de ponta e de estarem frequentemente fundamentadas nas ciências cognitivas, quase todas as ferramentas comerciais de IA concebidas para apoiar os alunos corporizam uma abordagem behaviorista ou transmissiva ao ensino-aprendizagem, ignorando mais de 60 anos de investigação e desenvolvimento pedagógico.

Personalização - Algumas ferramentas de aprendizagem com IA podem fornecer a cada aprendente o seu próprio caminho através dos materiais, mas ainda assim levam-no aos mesmos resultados fixos de aprendizagem que todos os outros. O percurso pode ser personalizado, mas não o destino, o que representa um fraco entendimento da personalização.

Monitorização - Embora a utilização de IA para traçar o perfil dos alunos possa ter alguns benefícios, por exemplo para identificar alunos em risco de abandono, também pode ser excessivamente intrusiva, minando a legítima expectativa de privacidade do aluno e da sua família.

Influência no comportamento - É necessário considerar cuidadosamente o impacto das aplicações da IA no desenvolvimento da cognição humana e do cérebro em desenvolvimento, uma vez que tais tecnologias podem ter consequências fundamentais especialmente durante períodos críticos de desenvolvimento cerebral.

Autonomia - As crianças não têm a mesma capacidade que os adultos para compreender questões como o preconceito e justiça, para dar um consentimento genuinamente informado, ou para compreender ou contestar o efeito das recomendações e previsões baseadas em IA nas suas vidas. Ao utilizarem ferramentas AI&ED, os aprendentes podem ter menos controlo efetivo sobre a sua aprendizagem e sobre os dados que as suas interações com o sistema produzem.

Deficiência – Embora as aplicações de IA utilizadas para apoiar crianças com deficiência não tenham sido originalmente concebidas para a educação, foram reformuladas e estão a ser cada vez mais utilizadas. No entanto, nem sempre a reformulação foi bem sucedida, existindo igualmente falhas de mercado a assinalar.

Acompanhamento parental – As ferramentas de IA podem influenciar - e na verdade pretendem mesmo influenciar – o trabalho na sala de aula e o modo como as crianças pensam e aprendem e como acedem e avaliam o conhecimento. Isto dificulta o envolvimento dos pais num processo partilhado entre o ambiente educativo e a família.

Alto risco – Foram identificados sistemas de IA para avaliação de alunos ou destinados à utilização por crianças com alto-risco no que respeita ao cumprimento de requisitos obrigatórios em relação a dados e gestão de dados, documentação e manutenção de registos, transparência e fornecimento de informação aos utilizadores, supervisão humana, robustez, exatidão e segurança. É fundamental considerar se e como a utilização da tecnologia está a moldar as crianças de formas que as escolas e os pais não conseguem ver.

Emoções - As tecnologias educativas orientadas pela IA podem ajudar a identificar o estado emocional de um aluno, para o ajudar a passar de um estado afetivo negativo para um positivo. No entanto, recolher informações destinadas a alterar os comportamentos dos alunos é uma forma de controlo psicológico e comportamental que ameaça a privacidade e a autonomia do aprendente, podendo igualmente infringir direitos humanos e dignidade humana.

Segurança digital – A utilização de sistemas automatizados, para monitorizar tudo o que as crianças escrevem no ecrã em tempo real para comparar com milhares de palavras em inglês e bibliotecas de línguas estrangeiras e identificar padrões nas atividades de pesquisa dos alunos, embora com objetivos de segurança, pode levar a criar perfis encobertos, opacos para crianças e as suas famílias e direcionar para uma série de intervenções frequentemente sem consentimento informado.

 

A ética da Inteligência Artificial na Educação

Orientações éticas – É importante conceber e implementar orientações éticas robustas e evitar qualquer "lavagem ética", ou seja, utilização da ética como fachada aceitável para justificar a desregulamentação, a autorregulamentação ou a gestão orientada para o mercado.

Avaliação ética - É necessária uma avaliação ética do impacto do uso da Inteligência Artificial na educação.

Supervisão - A ética da IA na educação é pouco estudada e sem supervisão ou regulamentação - apesar do seu potencial impacto na pedagogia, na qualidade da educação, na ação e no desenvolvimento cognitivo das crianças.

Superior interesse do aluno - Para aumentar a transparência e a fiabilidade dos efeitos da IA, os criadores e fornecedores de sistemas da IA&ED devem ser obrigados a alinhar explicitamente a sua IA a sistemas e estruturas de governação regulados pelo superior interesse do aluno.

 

Referência

[1] Holmes, W., Persson, J., Chounta, I., Wasson, B. & Dimitrova, V. (2022). ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND EDUCATION A critical view through the lens of human rights, democracy and the rule of law. Council of Europe. https://rm.coe.int/artificial-intelligence-and-education-a-critical-view-through-the-lens/1680a886bd

Fonte da imagem: obra referida em [1]

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Ter | 06.12.22

UNESCO: Mondialcult 2022

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A Conferência Mundial sobre Políticas Culturais e Desenvolvimento Sustentável, Mondiacult 2022, decorreu no México, de 28 a 30 de setembro, 40 anos após a anterior.

Precedida por dez meses de negociações multilaterais, lideradas pela UNESCO, adotou, por unanimidade, uma Declaração para a Cultura [2] ambiciosa, na qual afirma que esta é um “bem público global” e que deve ser transversal a todas as políticas públicas, inclusive culturais, que devem ser inclusivas e envolver a participação de governos, autoridades locais, setor privado e sociedade civil.

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“Tempo de agir para a cultura como um bem global” [3]

03.png“A cultura não deve mais ser considerada como um domínio político isolado de outras áreas políticas, mas sim como uma dimensão transversal das políticas públicas” [4].

 

A Declaração foi adotada por 150 Estados e compreende a cultura, de forma holística, como "o conjunto de elementos espirituais, materiais, intelectuais e emocionais específicos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que incluem, não só as artes e as letras, mas também os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, tradições e crenças". Cultura abarca todo o sistema linguístico, de saberes, de práticas, de objetos e de sítios culturais.

O texto da Declaração cria uma visão para o futuro das políticas culturais face aos desafios da sociedade multicultural atual e à vulnerabilidade estrutural que o setor e seus agentes evidenciam e que foi exacerbada com a pandemia Covid-19.

Na última Década da Ação para alcançar o Desenvolvimento Sustentável, a Declaração Mondialcult 2022 lança um Apelo à Ação que pretende gerar o compromisso, coletivo e individual, para assegurar, preservar e promover a arte e a cultura, inclusive para as futuras gerações.

Agrupamos as principais propostas do texto da Declaração nos 7 tópicos seguintes.

 

  • DIVERSIDADE CULTURAL E ACESSO UNIVERSAL

Destaca a importância da inclusão artística e cultural através do acesso universal e equitativo e da representatividade equilibrada entre geografias ou da diversidade cultural, que está na raiz do respeito pela identidade dos povos e dos direitos humanos (ponto 9 da Declaração).

 

  • ADAPTAÇÃO DA CULTURA AOS ATUAIS DESAFIOS

Incentiva a adaptação das políticas culturais aos problemas atuais, designadamente nas áreas da redução das desigualdades, da promoção do diálogo e da paz e da ação climática, bem como o aumento do orçamento nacional do Estado no setor (ponto 12).

Apela ao reforço de medidas para proteção do património e expressões culturais em contextos de crise natural e conflito armado, tornando efetiva a legislação da comunidade internacional (ponto 14).

Incentiva a integração da cultura e da criatividade nas estratégias de recuperação ambiental e de ação climática, a qual tem efeitos não só no património natural, como cultural. Para o efeito, deve facilitar-se a integração dos saberes e práticas tradicionais e das comunidades indígenas que têm compreensão e experiência ancestral de proteção deste património (ponto 15).

 

  • LIGAÇÃO DA EDUCAÇÃO À CULTURA

Reforça a ligação, formal e informal, da educação à cultura, designadamente tradicional e local, para expandir e melhorar a qualidade e os resultados das aprendizagens, sobretudo nas crianças e jovens, bem como para criar e formar, ao longo da vida, públicos e artistas.

Complementarmente, incentiva o reforço de políticas públicas e de investimento no papel educativo e social dos museus, bibliotecas, arquivos e instituições culturais, bem como na promoção do ensino e formação técnica e profissional e apoio ao emprego no setor (ponto 13).

 

  • LUTA CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO E RESTITUIÇÃO

Mostrando vontade na reconciliação com o passado e em garantir que o conhecimento do património cultural possa ser transmitido às futuras gerações, sensibiliza para a luta contra o tráfico ilícito “sobre a memória, identidade e futuro dos povos”, através da aplicação efetiva da Convenção da UNESCO de 1970 [5] e das legislações nacionais sobre a matéria e da cooperação internacional, bem como do reforço da certificação de origem dos bens culturais, estando museus e colecionadores privados impedidos de aquisição e venda de peças não comprovadas.

 

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Proteção contra o tráfico ilícito [6]

 

Segundo o Comunicado de Imprensa da Mondialcult 2022 [7], a partir de 2025, a UNESCO e a INTERPOL (The International Criminal Police Organization) criarão um museu virtual de bens culturais roubados com fins educativos para contar a história dessas obras e ensinar as pessoas a pesquisar a origem das peças que desconhecem.

Incentiva a restituição de bens culturais apropriados de forma ilícita, como “imperativo ético para promover o direito dos povos e das comunidades gozarem do seu património cultural” e tendo em vista o reforço da ligação e cooperação entre povos e regiões norte e sul (ponto 17).

 

  • DIREITOS DOS PROFISSIONAIS

Reforça os direitos sociais e económicos dos profissionais da cultura de todos os setores, que devem usufruir de uma remuneração justa, inclusive na área do património e criatividade digital. Sobretudo as principais plataformas digitais devem ser responsabilizadas pelo cumprimento da regulação sobre propriedade intelectual, por promoverem a diversidade cultural na internet, bem como o acesso universal.

Também deve ser reforçada a liberdade artística e a liberdade de expressão, ameaçada com o crescimento de regimes políticos ditatoriais onde domina a (auto-) censura e o status quo (ponto 10).

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Fortalecendo políticas culturais para promover a liberdade artística – Vídeo Mondialcult 2022 [8]

 

  • DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Reforça a sustentabilidade no setor, apelando também a uma maior regulação das plataformas digitais e da expansão e melhoria da qualidade da criação, conservação (através de digitalização e inventário), divulgação e acesso ao património cultural em ambiente digital. A insuficiente regulação dos algoritmos e sistemas digitais comporta riscos, como a perda da diversidade linguística e cultural e a desigualdade de acesso.

A Declaração “reconhece a cultura como um bem público global com um valor intrínseco para permitir e impulsionar o desenvolvimento sustentável [sublinhado nosso]” (ponto 18).

Divulgando dados da UNESCO, o Comunicado de Imprensa afirma que o setor artístico e cultural é “responsável por mais de 48 milhões de empregos em todo o mundo – quase metade dos quais são ocupados por mulheres – representando 6,2% de todos os empregos existentes e 3,1% do PIB global. É também o setor que emprega e oferece oportunidades para o maior número de jovens com menos de 30 anos”.

 

  • ODS CULTURA NA AGENDA PÓS 2030

O texto da Declaração exorta as Nações Unidas a reconhecer e integrar a cultura a “como um objetivo específico, por direito próprio, na agenda do desenvolvimento para além de 2030”.

Incentiva-a ainda a realizar uma ampla consulta, a produzir dados e estudos sobre o “impacto multidimensional da cultura nas nossas sociedades” e a monitorizar as políticas no setor.

Apela à UNESCO para, a partir de 2025, realizar de quatro em quatro anos, um Fórum Mundial sobre Políticas Culturais inclusivo e que aborde as áreas prioritárias de intervenção e do qual deverá resultar um Relatório Mundial sobre Políticas Culturais.

Para a elaboração do texto da Declaração contribuiu inúmera documentação anteriormente aprovada pela comunidade internacional que, progressivamente, tem vindo a alargar o âmbito e a importância da cultura.

Em particular, contribuíram as declarações da Mondialcult de 1982 e da Conferência de Estocolmo de 1998 e, sobretudo a Declaração Universal da Diversidade Cultural de 2001 [9], na qual a UNESCO sublinha que “A diversidade cultural é a herança comum da humanidade” (art.º 1.º) e na qual defende o “pluralismo cultural”, participativo e inclusivo (art.º 2.º), enquanto fator de criatividade, desenvolvimento, defesa da dignidade humana e paz.

As bibliotecas promovem a diversidade cultural, o multilinguismo, o pluralismo dos média, o acesso universal e, em diversos formatos e ambientes, às artes e ao conhecimento científico e tecnológico, incentivando todos os utilizadores a criarem livremente e a enriquecerem a herança cultural. Por conseguinte, são parceiras naturais dos agentes culturais e têm um papel na efetivação de algumas destas orientações.

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Consegues imaginar um mundo sem arte nem cultura? Vídeo MONDIALCULT 2022 [1]

 

Outras sugestões de leitura:

IFLA: Direitos Culturais

Artes e património com a biblioteca escolar

Biblioteca Escolar: O desafio da anticensura

Plano 21|23 Escola+ 1.3.6. Recuperar com Arte e Humanidades

 

Referências

1. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2022, Sep. 28-30). UNESCO-MONDIACULT 2022 World Conference. Paris: UNESCO. https://www.unesco.org/en/mondiacult2022

2. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2022, 30 Sep.). Conference on Cultural Policies and Sustainable Development: Draft Final Declaration. Mexico: UNESCO. https://www.unesco.org/sites/default/files/medias/fichiers/2022/09/6.MONDIACULT_EN_DRAFT%20FINAL%20DECLARATION_FINAL_1.pdf

3. UNESCO (2022, Sep. 28-30). Time to act for culture as a global good. Paris: UNESCO. https://twitter.com/unesco/status/1574972244429873157

4. Ernesto Ottone, Diretor-Geral Adjunto de Cultura da UNESCO, in: (2021). UNESCO Inter-Agency Platform on Culture for Sustainable Development. https://en.unesco.org/IPCSD

5. Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. (1970, 14 nov.). Convenção Relativa às Medidas a Adotar para Proibir e Impedir a Importação, a Exportação e a Transferência Ilícitas da Propriedade de Bens Culturais. Paris: UNESCO, in: Ministério Público. Consulta de tratados internacionais. Portugal: MP. https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-relativa-medidas-adoptar-para-proibir-e-impedir-importacao-exportacao-e-0

6. Fonte da imagem: European Commission. (2022). Culture and Criativity: Protection against illicit trafficking. Brussels: EC. https://culture.ec.europa.eu/pt-pt/cultural-heritage/cultural-heritage-in-eu-policies/protection-against-illicit-trafficking

7. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2022, 30 Sep.). Press release: MONDIACULT 2022 : States adopt historic Declaration for Culture. Paris: UNESCO. https://www.unesco.org/en/articles/mondiacult-2022-states-adopt-historic-declaration-culture?hub=701

8. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2022). Strengthening cultural policies to promote artistic freedom. Paris: UNESCO. https://www.unesco.org/en/articles/mondiacult-2022-strengthening-cultural-policies-promote-artistic-freedom

9. United Nations. (2001, 2 Nov.). Universal Declaration on Cultural Diversity. https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/universal-declaration-cultural-diversity

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Seg | 05.12.22

Bibliotecas e borboletas

por Luís Germano, professor bibliotecário do AE Josefa de Óbidos, Óbidos

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Há algumas semanas, uma aluna perguntou-me pela obra Retalhos da Vida de um Médico, de Fernando Namora. Pedi-lhe que me acompanhasse e retirei da estante um exemplar que lhe passei para a mão, apressando-me a voltar ao balcão de atendimento, sem explicações, apartes ou recomendações; um pedido de alguma forma tão inusitado, num raro dia de chuva de outubro, merecia o cuidado dispensado a uma borboleta: se entra na sala é prudente ignorar a sua beleza.

Quando algum tempo depois surgiu a oportunidade de escrever um texto para a rubrica “Retalhos da vida de um professor bibliotecário”, não consegui evitar o sorriso. Lá estava o acaso a fazer das suas, a estabelecer conexões, o “grande fazedor” a mostrar que não tem reservas ou preceitos de grandeza e que tanto se imiscui nas mais válidas descobertas e realizações da ciência ou da arte, quanto na ínfima e curta prosa de um professor bibliotecário. O acaso, creio, merece certamente um espaço reservado e exclusivo nos nossos planos de atividades, um domínio no MABE. Como dizia Manuel António Pina, “as coisas melhores são feitas no ar”…

Não me recordo de quando li Retalhos da Vida de um Médico. Provavelmente devo tê-lo feito depois do Constantino, guardador de vacas e de sonhos, dos Contos, de Almeida Garrett, ou da coleção 15, da Verbo. Depois de Gaibéus, decerto... Mais tarde, fomos tomados pela consciência de que, afinal, o que líamos nesses livros ainda refletia a nossa realidade e a dos nossos amigos numa pequena aldeia no extremo do Ribatejo - alguns deles, após a 4.ª classe, eram obrigados a trocar a escola pelas obras e, de um dia para o outro, passavam a beber minis no café e a acompanhar com os “homens”. Foi então que percebemos que a conjuntura e a ação vivida e praticada por aquele médico em aldeias do Alentejo e Beira Baixa eram, na sua génese, o retrato de um país analfabeto, isolado e cinzento que ainda resistia nesses idos anos 80, e que sua generosidade para com os mais pobres e humildes era, afinal, um valor humanista e universal.

De alguma forma talvez tenha sido esta consciência - ainda incipiente, mas já quase política - que me fez associar as bibliotecas a este altruísmo que se manifestava sob a oferta de conhecimento, cultura e entretenimento. Porque desde as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, que percorriam vilas, aldeias e lugarejos, e onde tantos de nós iniciámos o gosto pela leitura, passando pelas bibliotecas de associações e coletividades, até às atuais bibliotecas municipais e escolares, sempre se manteve este espírito de partilha, de acesso livre e de incentivo ao conhecimento. Uma função cívica, profundamente democrática e um compromisso para com o futuro: as bibliotecas como a memória dos homens, de todas as suas ações, espírito e criação.

Por isso, entendo que o nosso papel no apoio ao currículo deverá ir sempre além desse currículo, que as nossas coleções, ao invés de conjuntos de títulos de uma seleção nacional, deverão ser diversas, disruptivas e inconformadas, cultivando dúvidas ao invés de certezas. Que devemos invocar com frequência os mortos das nossas prateleiras e trazer os vivos para que não acabem reduzidos a vizinhos de cota: RED, TOR, AND, PES, BEL, VIC. Bibliotecas que não querem a nobre linhagem do coração, preferindo tornar-se pernas e mãos, espaços informais de leitura e convívio onde se cultivam plantas e se reparam coisas. Locais confortáveis onde todos os alunos possam desenvolver projetos e descobrir interesses pessoais.

Para isso, o professor bibliotecário, nas suas deslocações pelos montes e vales da escola, pelas suas vilas, aldeias e lugarejos, não pode perder de vista os mais ”fracos” e os menos populares, os que não figuram nos quadros de honra, escondem os seus talentos ou cultivam gostos inusitados. Porque, tanto tempo passado depois da publicação de Retalhos da Vida de um Médico, continuam a ser estes os que mais necessitam de Namora... Perdoem-me, da biblioteca.

Luís Germano, professor bibliotecário
Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, Óbidos

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  1. *Qualquer semelhança entre o título desta rubrica e a obra Retalhos da vida de um médico, não é pura coincidência; é uma vénia a Fernando Namora.
  2. Esta rubrica visa apresentar apontamentos breves do quotidiano dos professores bibliotecários, sem qualquer preocupação cronológica, científica ou outra. Trata-se simplesmente da partilha informal de vivências.
  3. Se é professor bibliotecário e gostaria de partilhar um “retalho”, poderá fazê-lo, submetendo este formulário.

 

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Sex | 02.12.22

IFLA: Liberdade intelectual | temas – problemas (continuação)

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O jornal oficial da IFLA é um jornal digital gratuito que publica artigos de investigação, estudos caso e ensaios originais sobre informação e bibliotecas.

É publicado trimestralmente (em março, junho, outubro e dezembro), os artigos são revistos por pares e todos os profissionais do setor, de todos os países, podem submeter artigos em inglês.

A edição de outubro, dedicada à Liberdade Intelectual [1], aborda diversos tópicos, dos quais apresentamos exemplos, dando continuidade ao artigo anterior.

 

Autoridades complexas

Segundo a Declaração da IFLA, a biblioteca deve disponibilizar ao utilizador “o acesso a toda a informação” que ele pretende.

Porém, quando um utilizador solicita informação falsa que pode pôr em perigo a sua saúde e a saúde pública, por exemplo, informação que apoie o argumento das vacinas poderem ser perigosas para a saúde, o que deve fazer o bibliotecário?

Kate Mercer, Kari Weaver e Khrystine Waked no artigo, Navegando por autoridades complexas apresentam diversas situações controversas e dilemas com que pode confrontar-se o bibliotecário na atualidade, em que os media sociais são a principal fonte de informação, veiculando desinformação, factos alternativos e teorias da conspiração e em que o acesso a noticias é feito com base em algoritmos que reforçam o hábito das pessoas apenas aceitarem evidências que confirmam os próprios pontos de vista. É assim que em plena crise pandémica Covid-19 se disseminou a descrença sobre a existência do vírus, bem como mensagens sobre terapias alternativas à vacinação.

Segundo os autores, quando os profissionais da biblioteca são confrontados com autoridades controversas apresentadas pelos seus utilizadores, há que “reformular a questão [do acesso a ‘toda’ a informação para], ‘Como providenciar o acesso a toda a informação com contexto e crítica? [sublinhado nosso]’”, pois “O trabalho do bibliotecário deve ser contextualizar essa informação apropriadamente [sublinhado nosso]”, reservando ao utilizador o direito de decidir posteriormente em inteira liberdade.

Para além disso, “Enquanto bibliotecários, devemos estar autorizados a manter os nossos limites éticos pessoais, enquanto ainda permitimos o acesso a informação sobre todos os pontos de vista [sublinhado nosso]”.

O desenvolvimento de uma consciência crítica por parte dos utilizadores também pode resultar da interação informal com eles, no âmbito da qual o profissional da biblioteca levanta questões como: “Onde é que ouviste isso pela primeira vez? Descobriste porque é que as pessoas te estão a dizer isso? Olhaste para a proveniência das fontes? Achaste a informação bombástica? [sublinhados nossos]”

Ao manter este diálogo o bibliotecário está a usar as ferramentas de avaliação crítica da informação que o utilizador lhe está a solicitar, explicando-lhe como é que os profissionais procedem.

 

Censura

Alex Byrne no artigo, Uma declaração para todas as épocas, sublinha a importância dos princípios 5, 6 e 7 da Declaração da IFLA para o compromisso da biblioteca com a diversidade e pluralidade:

- “devem adquirir, preservar e disponibilizar a mais ampla variedade de materiais, refletindo a pluralidade e diversidade da sociedade”;

- “devem assegurar que a seleção e disponibilidade de materiais e serviços da biblioteca seja regida por considerações profissionais e não por opiniões políticas, morais e religiosas”;

- “devem adquirir, organizar e divulgar livremente a informação e opor-se a qualquer forma de censura”.

Byrne sublinha que é dever profissional do bibliotecário apresentar uma diversidade de vozes, sobretudo das pessoas marginalizadas e oprimidas ao longo da História: indígenas, negros, ciganos, LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexo, assexual e outras identidades de género), minorias linguísticas e religiosas. E especifica: “As nossas bibliotecas devem apresentar as suas histórias – ficção e não ficção – nas suas palavras [sublinhado nosso]”, respeitando o lugar de fala [2] de cada pessoa e cultura.

A biblioteca deve celebrar a individualidade e a diversidade de informação e afirmar-se anti-racista, anti-sexista e promover a luta contra o discurso de ódio.

Referindo Bestgen, Byrne considera que a cultura do cancelamento ou da supressão de opiniões e factos inconsistentes com a opinião da maioria também pode ter efeitos na liberdade intelectual e no discurso livre, podendo gerar auto-censura.

Nos últimos anos têm crescido interferências nas escolhas dos bibliotecários, principalmente quando se trata de recursos destinados a crianças e jovens que abordam temas delicados, como orientação sexual ou discriminação/ racismo.

Medo, atitude moralista, posicionamento político conservador são as principais razões destas tentativas para limitar a livre expressão e circulação de ideias.

Os bibliotecários têm o papel desafiante - e vital - de garantir uma cultura de liberdade e de inclusão, proporcionando uma diversidade e pluralidade de informação, bem como de questionar preconceitos e estereótipos a partir da defesa de valores humanistas. Este ambiente questionador e reflexivo é favorável à expansão da liberdade intelectual, “um dos direitos mais preciosos da humanidade”.

Byrne, presidente da FAIFE quando a Declaração foi adotada pela IFLA, relembra as palavras que escreveu nessa ocasião:

“As bibliotecas devem fazer ressoar muitos pontos de vista divergentes, incluindo o inaceitável, e mesmo o que muitos podem achar odioso. ... Ao tornar disponíveis tais [controversos e divergentes] materiais, mesmo aqueles que os profissionais da biblioteca podem achar repugnantes ou apenas disparatados, as bibliotecas não estão a apoiar o argumento desses pontos de vista, mas a defender o princípio essencial da liberdade intelectual”.

 

A crise epistémica

Sarah Hartmen-Caverly, considera que a informação e comunicação contemporânea experiencia uma “crise epistémica” derivada de ”teorias da conspiração, desinformação, distração através de uma engenharia da atenção [exemplo, notificações], ‘fake news’, sobrecarga de informação, má informação, manipulação, polarização, propaganda e vigilância” em larga escala e que está normalizada.

Relativamente à desinformação, por exemplo, The Washington Post Fact Checker contabilizou 30.573 alegações falsas ou enganosas de Donald Trump nos quatro anos da sua presidência.

Sinal da crise dos média foi a resposta à crise pandémica, na qual se verificaram sérias restrições à livre expressão e ao acesso a informação e, por outro lado, a comunicação foi inconsistente, gerando distorção da verdade e falta de confiança do público, por exemplo, relativamente à vacina Oxford-AstraZeneca.

Hartmen-Caverly destaca que a liberdade intelectual deve desempenhar um papel central na definição da coleção, da abordagem educativa e da programação da biblioteca que deve desenvolver-se num contexto livre de desconfiança, de manipulação e de censura. Para o efeito, é fundamental que o profissional da biblioteca examine e atualize criticamente e continuamente os seus pressupostos e considere pontos de vista alternativos, novas informações, pois “A crise epistémica é uma oportunidade para redobrar estes esforços” e fortalecer a liberdade intelectual.

 

Referências

1. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, Oct.). IFLA Journal. Netherlands: IFLA. https://repository.ifla.org/bitstream/123456789/2143/1/ifla-journal-48-3_2022.pdf

2. Cf. Discriminação: abordagem educativa e títulos.

3. International Federation of Library Associations and Institutions. (2022, Oct.). IFLA Journal. Netherlands: IFLA. https://www.facebook.com/IFLA.org/photos/a.598622580166691/6143082945720599

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