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Blogue RBE

Sex | 25.02.22

Que papel têm os jovens na governação?

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Vivemos uma democracia e paz formal ou técnica (eleições, acordos de cessar-fogo…), simples “ritual”, diz José Saramago, que se traduz na desvalorização e desrespeito disseminado pelas instituições, em focos de violência, discriminação e atitudes de egoísmo, indiferença e apatia perante pessoas e mundo.

Nas palavras do cidadão, escritor e Nobel da Literatura português, “Interrogo-me como é que é possível assistir à injustiça, à miséria, à dor, sem sentir a obrigação moral de transformar aquilo a que estamos a assistir. Quando observamos à nossa volta vemos que as coisas não funcionam bem: gastam-se quantias exorbitantes para mandar um aparelho explorar Marte enquanto centenas de milhares de pessoas não têm nada para se alimentar. Por um certo automatismo verbal e mental, falamos de democracia quando da realidade dela não nos resta mais que um conjunto de ritos, de gestos repetidos mecanicamente. Os homens e os intelectuais, enquanto cidadãos, têm a obrigação de abrir os olhos” [1].

Para que se possa construir uma democracia e paz positivas, estruturais e mais completas, é necessário que, em todas as áreas de desenvolvimento se trabalhe de acordo com uma lógica de prevenção, inclusão e emancipação, desenvolvendo um modelo circular/ integrado/ sustentável.

Este modelo coloca no centro o cidadão e a população local que, através da sua participação - dar voz, respeitando e valorizando o lugar de fala de cada um - mediante processos de baixo para cima (bottom-up civic participation) informais, contribuem para a transformação dos contextos, de acordo com as necessidades de quem neles habita.

Esta construção aberta/ coletiva e ativa/ transformadora da democracia e paz tem lugar no contexto da Quarta Revolução Industrial em curso, ancorada na CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

Tecnologia digital, uma das principais vertentes desta Revolução, é relevante no trabalho (todos os setores e carreiras) e forma como interagimos, nos divertimos e realizamos tarefas no dia-a-dia. Gera oportunidades para as pessoas aprenderem, por si próprias e umas com as outras, ao longo da vida e cria comunidades que aprendem juntas o que necessitam. 
 
A biblioteca escolar incentiva a tendência de as pessoas trabalharem em grupos/ círculos, presenciais e na internet, nos quais partilham histórias, experiências, ideias e emoções, tendo por base leitura e currículo nas suas múltiplas ligações literárias/ científicas e à experiência de cada um.

Através do diálogo/ conversação, constroem um saber significativo e útil que envolve diversas componentes - cognitiva/ científica, emocional/ social, cultural/ artística - e confere sentido de pertença e bem-estar.

A complexidade dos problemas acentua a capacidade, vontade e necessidade interior dos cidadãos participarem nas decisões de governação que os afetam.

A utilização em massa de tecnologias digitais, designadamente redes sociais, ajuda a chamar, reunir e a trabalhar/ agir em conjunto, dando voz à participação informal de diversos atores - cidadãos, associações e organizações internacionais, movimentos inorgânicos - mediadores fundamentais da governação na era da globalização e do digital.

A participação aberta aos cidadãos exerce-se de muitas formas, inclusive através de desobediência civil: manifestações e contra manifestações de rua, abaixo-assinados, petições, cartas abertas na imprensa, greves. 
O livro do venezuelano Moisés Naím, O Fim do Poder [2] reconhece, com base em evidências, que celebramos a decadência do poder. É fácil adquiri-lo e perdê-lo, mas é difícil exercê-lo, pelo que é necessário e urgente proceder à inovação política que passa pela incorporação da participação dos cidadãos nas decisões de governação.

Em Portugal a orientação do governo de modernização da administração pública, levou-o a aderir ao Open Government Paternership [3], organização que visa o desenvolvimento de um governo aberto e a participação cívica dos cidadãos no Estado para melhorar os serviços públicos.

Neste contexto enquadra-se o Orçamento Participativo das Escolas em que as crianças e jovens criam um projeto local que o governo ajuda a financiar.

Este modelo de governação é particularmente importante em situações de crise como a pandemia, em que Estado, empresas privadas e cidadãos se unem e trabalham em conjunto para um mesmo propósito.

Neste contexto de crescente complexidade, em que ações dos cidadãos podem ter impacto e alcance indeterminado/ exponencial, a formação de cidadãos competentes, críticos e solidários é uma prioridade para a Rede de Bibliotecas Escolares. 


Sabendo que os problemas da sociedade dizem respeito a todos e à biblioteca escolar, a RBE foca o seu Quadro Estratégico [4]:
- Nas Pessoas, incentivando a capacidade, vontade e necessidade interior das crianças e jovens participarem nas decisões de governação que os afetam, em ligação aos diversos parceiros da biblioteca, pois o impacto é reduzido trabalhando-se circunscrito à sala de aula.
- Na atenção à Realidade VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity - Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade);
- Em Valores fundamentais, como liberdade, equidade e participação. 
Visa inverter as perceções dos jovens de que a sua voz e ação não são tidas em conta na sociedade, conforme destacou o último PISA (Programme for International Students Assessment) de 2018 que mostra que as perceções dos jovens sobre a possibilidade da sua ação fazer diferença na resolução de problemas globais, como mudanças climáticas, é reduzida [5].
Trabalha para que cada um encontre o seu lugar na escola e sociedade e tenha oportunidades para desenvolver as suas potencialidades, de acordo com as próprias características e condições. 

Referências
1. Costa, F. (2004, 12 de abril). “José Saramago, crítica da razão impura” [Entrevista], in: Aguilera, F. (2010). José Saramago nas suas palavras. S.l.: Editorial Caminho. https://www.fnac.pt/Jose-Saramago-Nas-Suas-Palavras-Fernando-GomezAguilera/a330039 
2. Naím, M. (2014, jan.). O Fim do Poder: Dos Conselhos de Administração aos Campos de Batalha, às Igrejas e aos Estados. Porque ter poder já não é o que era. S.l.: Gradiva. https://www.gradiva.pt/catalogo/14926/o-fim-do-poder- 
3. Agência para a Modernização Administrativa, IP (2018). Open Government Partnership Portugal. Portugal: AMA. https://ogp.eportugal.gov.pt/inicio 
4. Portugal. Rede de Bibliotecas Escolares (2021). Bibliotecas Escolares: presentes para o futuro. Programa Rede de Bibliotecas Escolares: Quadro estratégico: 2021-2027. https://rbe.mec.pt/np4/file/890/qe__21.27.pdf  
5. Neste estudo participaram 79 países e mais de 600 000 alunos (5932 alunos em Portugal). Organisation for Economic Co-operation and Development. (2021, 25 Jan.). Green at fifteen – what schools can do to support the climate. France: OECD. https://oecdedutoday.com/green-at-fifteen-schools-support-climate/ 
6. Fonte da imagem: Organisation for Economic Co-operation and Development. (2021, 25 Jan.). Green at fifteen – what schools can do to support the climate. France: OECD. https://oecdedutoday.com/green-at-fifteen-schools-support-climate/ 

 

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