Os livros são família direta dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se entrassem para dentro do próprio ar, a ver o que existe dentro do ar que não se vê.
O leitor entra com o livro para dentro do ar que não se vê.
Com um pequeno sopro, o leitor muda para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas.
Os livros são toupeiras, são minhocas, eles são troncos caídos, maduros de uma longevidade inteira, os livros escutam e falam ininterruptamente. São estações do ano, dos anos todos, desde o princípio do mundo e já do fim do mundo. Os livros esticam e tapam furos na cabeça. Eles sabem chover e fazer escuro, casam filhos e coram, choram, imaginam que mais tarde voltam ao início, a serem como crianças. Os livros têm crianças ao dependuro e giram como carrosséis para as ouvir rir. Os livros têm olhos para todos os lados e bisbilhotam o cima e baixo, o esquerda e direita de cada coisa ou coisa nenhuma. Nem pestanejam de tanta curiosidade. Querem ver e contar. Os livros é que contam.
As bibliotecas só aparentemente são casas sossegadas. O sossego das bibliotecas é a ingenuidade dos incautos. Porque elas são como festas ou batalhas contínuas e soam trombetas a cada instante e há sempre quem discuta com fervor o futuro, quem exija o futuro e seja destemido, merecedor da nossa confiança e da nossa fé.(...)